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ATENÇÃO: Este texto contém spoilers.

Aos 17 anos, Elio é um rapaz com a erudição de um adulto, perspicaz e observador, e tem se divertido com as meninas do vilarejo italiano no qual ele passa as férias com a família. O pai dele é um professor universitário intelectual que todo verão recebe um estudante na casa para fazer alguns trabalhos. No verão de 1983, acontece de ser Oliver, um norte-americano bonitão de 24 anos — que se revela como a cultura e o carisma em pessoa. Ambos se apaixonam e, às escondidas, iniciam um romance. É a primeira vez que Elio se apaixona por alguém.

Esta é a premissa de Me Chame Pelo Seu Nome, livro de André Aciman no qual se baseia o longa-metragem homônimo de Luca Guadagnino. É uma história sobre o amadurecimento pela exploração da sexualidade e dos sentimentos, com bastante erotismo e ternura.

Cena de "Me Chame Pelo Seu Nome" (foto: Sony Pictures)
Cena de “Me Chame Pelo Seu Nome” (foto: Sony Pictures)

“Fiquei muito feliz quando soube que Luca faria o filme”, conta Aciman, 67, em entrevista ao HuffPost Brasil. “Tenho um grande respeito por ele. Luca entende o que desejo e sedução são. Ele é um diretor extremamente delicado.”

Cena de "Me Chame Pelo Seu Nome" (foto: Sony Pictures)
Cena de “Me Chame Pelo Seu Nome” (foto: Sony Pictures)

O longa é protagonizado por Timothée Chalamet (Lady Bird), como Elio, e Armie Hammer (A Rede Social), como Oliver. É um fortíssimo candidato ao Oscar nas principais categorias: Melhor Filme, Direção, Ator (Chalamet), Ator Coadjuvante (Hammer) e Roteiro Adaptado.

Me Chame Pelo Seu Nome — que encerra a “trilogia do desejo” de Guadagnino, também formada por Um Mergulho no Passado (2015) e Um Sonho de Amor (2009) — é uma coprodução internacional com participação brasileira: Rodrigo Teixeira Lourenço Sant’Anna, da produtora paulistana RT Features, também investiram no projeto.

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Não diferente de seu protagonista, Aciman também vem de uma família multicultural, na qual muitas línguas são faladas e culturas diferentes convivem juntas. Ele é ítalo-americano, mas nasceu em Alexandria; cresceu falando francês, hoje mora em Nova York e carrega em seu DNA ancestralidade judia oriunda de várias nações.

Nos anos 1960, ele e sua família deixaram o Egito após uma perseguição tornar precária a vida dos judeus no país. Eles viveram em Paris e Roma até se instalarem de vez nos Estados Unidos, onde Aciman tornou-se escritor e Ph.D. em literatura comparada por Harvard. Ele tem dado aulas no Graduate Center, em Nova York, abordando temas como a obra Marcel Proust, exílio e literatura de memória. Atualmente, escreve um novo livro.

“Não gosto de falar de livros que ainda não foram lançados. Sou supersticioso”, ri. “Eu sempre estou escrevendo, espero sempre estar.”

O escritor já lançou outros vários livros, incluindo romances, coleções de ensaios e memórias. Me Chame Pelo Seu Nome é seu principal sucesso — ao ser lançado em 2007, tornou-se um adorado pequeno clássico da literatura LGBT. Neste mês, chegou ao Brasil pela Intrínseca.

Aciman está felicíssimo com a adaptação para cinema, que tem o roteiro escrito por James Ivory, diretor indicado ao Oscar por clássicos contemporâneos adaptados da literatura, comoVestígios do Dia (1993) e Retorno a Howards End (1992).

Assim como a crítica e o público — o filme tem arrancado suspiros por onde passa —, o escritor também está extasiado com a cena em que Timothée Chalamet e Armie Hammer (e seus 1,96 m de altura) dançam Love My Way, da banda The Psychedelic Furs.

DIVULGAÇÃO Timothée Chalamet, à esquerda, e Armie Hammer são Elio e Oliver, respectivamente, em adaptação para o cinema.
DIVULGAÇÃO
Timothée Chalamet, à esquerda, e Armie Hammer são Elio e Oliver, respectivamente, em adaptação para o cinema.

“Armie não gosta quando as pessoas falam dele dançando, mas sim, é um momento belo, bastante poderoso”, diz. “A cena é invenção de Luca e James. Acho que foi uma ideia maravilhosa.”

Na entrevista, Aciman comenta a adaptação, a ponta que faz nela, por que o primeiro amor está sempre “amaldiçoado” — e, é claro, a cena sobre a qual todo mundo está falando: em que Elio se masturba com um pêssego e ejacula dentro da fruta.

HuffPost Brasil: Como você está se sentindo a respeito do filme? Você gostou dele? Tem feito enorme sucesso.

André Aciman: O filme é maravilhoso, eu o amo. Acho que até certo ponto está bastante próximo do livro e, em algum outro ponto, se distancia dele, porque o filme não pode fazer o que o livro faz. Por causa disso, talvez haja uma sequência; nós ainda não sabemos. A história se estende por mais de 20 anos e não é muito fácil fazer isso no filme. Ele para quando os dois garotos aprendem [a lição sobre amor], quando um tem 17 anos e o outro, 24. O livro não precisa de sequência, mas o filme talvez precise. Há uma conversa com o diretor a respeito de fazer a sequência em alguns anos, mas não sabemos.

No início, como foi para você a experiência de deixar cineastas fazerem um filme baseado no seu romance? Muitos escritores tendem a ter receio disso, de deixar estúdios e produtoras fazerem adaptações de seus trabalhos.

Sim, a maior parte dos escritores é bastante possessiva em relação à literatura deles e talvez eu os entenda até certo ponto. Entretanto, há dois aspectos [na situação]: eu sinto que, no livro, já disse o que gostaria de dizer. Se alguém quiser pegar o que fiz e escrever uma ópera ou um filme, tanto faz, é a vez dele de dizer algo, porque eu já tive a minha fala. Esta é a minha filosofia. O segundo aspecto, que talvez não seja ligado ao primeiro, é que eu tenho um grande respeito por Luca Guadagnino. Acho que ele entende o que é a vida em família, o que desejo e sedução são. Ele é um diretor extremamente delicado e eu conhecia o trabalho dele. Fiquei muito feliz quando soube que Luca faria o filme.

Você crê que o romance e o filme se complementam, de alguma maneira?

Sim, e esta é a melhor maneira de ver isso, na verdade, porque as pessoas sempre me perguntam “eu deveria ler o livro antes? Ou ver o filme antes?” e eu sempre respondo “basicamente, um não existe sem o outro”. Acho que alguém que ama o filme e quer que a história dele continue, terá que ler o livro; quem leu o livro, não acha isso o suficiente e quer conhecer a história visualmente, pode ver o filme. Eu não acredito que um filme destrói um livro ou arruina o que você imagina dele. Os dois são separados e se complementam.

O senhor fez com o produtor Peter Spears uma divertida ponta no longa, como Mounir e Isaac, respectivamente, um animado casal gay. Como foi a experiência?

Foi bastante divertido. [risos] Eu não sabia que estaria no filme. Eles me pediram para ir ao set e eu disse ‘certo, vou ao set’. Não fazia ideia do que faria ou o que me pediriam para fazer, mas me perguntaram qual é o meu tamanho de roupa, então soube que teria que vestir algo. Com certeza foi bastante divertido e fácil. O diretor filmou a cena três ou quatro vezes, e foi tranquilo, natural, eu me diverti muito. Achei que ficaria bastante nervoso e duro, mas não, me senti bastante tranquilo. Isso é algo que Luca faz com as pessoas: ele faz com que você se sinta bastante à vontade com qualquer coisa que esteja fazendo.

Tanto o romance quanto o filme de Me Chame Pelo Seu Nome têm fortes sentimentos de melancolia e desejo. Você crê que histórias de primeiro amor na vida real são assim?

[suspiro] Bem, o primeiro amor é uma coisa difícil. Na maior parte dos casos, ele é todo sobre descoberta e medo, porque você não sabe o que está fazendo e aonde isso está indo. O primeiro amor sempre é interrompido por tantas coisas — pela vida, pela aventura, por diferentes trajetórias. Em algum ponto, acontece uma perda e ela nunca vai embora. O primeiro amor é sempre amaldiçoado. E, ao mesmo tempo, deixa uma marca que define como a gente ama outra pessoa depois pelo resto de nossas vidas.

O livro conta uma história de amor entre dois homens. Você crê que histórias como essa, mas entre pessoas do mesmo sexo, devem ter um tratamento diferente daquelas que são entre héteros?

Acredito que não, porque elas sempre são sobre a mesma coisa: dois seres humanos. No entanto, histórias de “amor gay” têm algo que as “hétero” não têm mais, pois quando um homem e uma mulher vão para a cama na primeira noite em que saem, ou na segunda, ou na terceira, como acontece na maioria dos casos, e não há nada a ser superado. Não há tabu. Entre gays, por outro lado, e em especial no início, [ainda pode haver] tabu, medo, algo que parece ser bastante precário, bastante dúvida — o que o amor entre héteros não tem mais, mas antes tinha. O sexo entre gays pode ser fácil, mas de início é muito difícil, porque você tem que superar várias inibições.

Elio e Oliver são judeus, e parece que a Estrela de Davi, um símbolo que ambos os personagens têm em correntes de pescoço, é um símbolo da identidade deles não apenas como judeus, mas também como indivíduos em um todo, o que inclui o fato de eles não serem héterossexuais. Como surgiu essa ideia quando o senhor escrevia o romance?

Bem, eu queria que eles tivessem algo em comum bem antes de descobrirem que estão atraídos um pelo outro. Acho que o judaísmo cria uma ponte bastante sutil entre ambos, algo que já está ali — e isso se torna importante, porque eles estão em uma cidade em que não há outros judeus. Além disso, acho que [no romance] ser judeu é uma metáfora sobre ser gay, porque a respeito de Elio, especialmente, a mãe dele diz “nós somos judeus com discrição”. O que ela talvez queria dizer, mas sem saber, é “se você for gay, tem que ser com discrição”. Então ambas as coisas estão entrelaçadas uma à outra, pois são sobre esconder-se e, ao mesmo tempo, nessa ocultação, encontrar entre eles uma ponte já pré-existente.

Desde o início do livro, Elio diz na narração dele que ele e Oliver não ficam juntos após o fim daquele verão. Por quê? Era apenas um desejo entre os dois que precisava transbordar?

Não. Se me lembro corretamente [risos], Oliver está se casando e isso é uma coisa importante. A amizade deles, então — se é que é uma amizade —, ou o amor, precisa esfriar. E como acontece na vida tantas vezes, os itinerários deles divergem. Elio e Oliver não ficam mais na mesma trajetória. Um vai para a faculdade e o outro vai dar aulas, termina a dissertação e se casa, tem filhos. As vidas deles se tornam totalmente separadas, mas algo continua a ressoar entre os dois. Eles não conseguem deixar isso para trás, então Elio vai visitá-lo e Oliver o visita em casa. Na verdade, Oliver vai para a casa deles mais de uma vez.

Você leciona Proust. O autor teve influência em Me Chame Pelo Seu Nome?

Sim, há. Eu tento não mostrar muito, mas a influência existe nesse livro em particular, no sentido de que Elio está constantemente estudando e tentando escavar a realidade ao redor dele. Ele tenta escavar a si mesmo, o que seus sentimentos são, e tenta entender quem as pessoas ao redor dele são, quais são suas motivações, o que o olhar delas significa quando olham para ele. Acho que toda essa vida interna, que é tão presente no livro, não poderia existir sem alguma influência residual de Proust. Essa constante examinação de si mesmo e também de outras pessoas, a constante decodificação do que as pessoas ao redor deles estão pensando são totalmente proustianas.

Sobre a cena do pêssego: como ela surgiu? Ela é bastante erótica no filme e parece de verdade que é sobre alguém bastante jovem descobrindo a própria sexualidade.

Nessa idade, você ainda não descobriu o sexo inteiramente. É uma experiência que se tem com o passar do tempo. E, se você parar e pensar bem nisso, a gente nunca para de descobrir o sexo. Mesmo aos 80 anos, se você estiver vivo, ainda há coisas para descobrir. Isso nunca deveria ser velho, deveria ser sempre novo. O livro é extremamente emocional e bastante físico, honesto. Ele não usa luvas, se me permite a expressão. A descrição do ato sexual é franca. Na verdade, todas as funções corporais estão no livro e eu queria que todas fossem descritas. A cena do pêssego, que para mim é bastante importante — e acho que Luca a entendeu, o que também é bastante importante —, não é apenas simbólica. No filme, Oliver coloca o dedo dentro do pêssego, mas no livro, ele o come. Eu queria que Elio sentisse que aquilo já era demais, não deveria acontecer, era nojento, grotesco. Eu queria que Elio estivesse lutando e, como Oliver é mais forte, ele acaba dando um jeito [de comer a fruta]. Naquele ponto, Elio chora, porque esta é a prova final de amor, quando você [encontra em contato com] a genealogia inteira de alguém. Comer aquilo significa que você ficará para sempre em meu corpo. É um ato de desejo, de amor, e ver isso faz Elio chorar. Agora, como eu tive essa ideia? Não faço ideia. Nunca fiz isso na minha vida e espero nunca fazer. [risos]

A edição brasileira de Me Chame Pelo Seu Nome já está lojas. Tem 288 páginas, custa R$ 39,90 ou R$ 24,90 em e-book. A tradução é de Alessandra Esteche.
A edição brasileira de Me Chame Pelo Seu Nome já está lojas. Tem 288 páginas, custa R$ 39,90 ou R$ 24,90 em e-book. A tradução é de Alessandra Esteche.

A edição brasileira de Me Chame Pelo Seu Nome já está lojas. Tem 288 páginas, custa R$ 39,90 ou R$ 24,90 em e-book. A tradução é de Alessandra Esteche.

O filme estreia nesta quinta-feira (18). Tem 132 minutos de duração e distribuição da Sony.

Veja: As cenas mais quentes de ‘Call Me By Your Name’ em GIFs

Assista ao trailer abaixo:

Com informações de Huffpost Brasil




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