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Estudioso de música erudita e canto lírico, Sergio Rohmanelli nasceu na Itália, mas vive no Brasil há 20 anos. O professor universitário começou a carreira na música em 2014, com a banda Vita Balera, projeto que explorava o rock alternativo com letras em italiano. 

Unindo estética, figurino, letra e música, Rohmanelli faz uma fusão de ritmos e estilos, dando a sua arte a androginia característica de sua persona artística. Com dois trabalhos lançados, “Anomalous” e “Fanatismi”, o artista foge da mesmice e se permite experimentar novos rumos na arte em cada trabalho realizado.

Seu novo passo, é uma parceria com o rapper Raphael Warlock. “Macho Discreto”,  coproduzida com Binho Manenti, é uma faixa com um forte conceito sobre a liberdade de expressão e a visibilidade LGBT+ com um clipe transgressor que abre uma nova fase na carreira do artista.

- BKDR -
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Rohmanelli em um ensaio
Rohmanelli – Foto: Bruno Ropelato

Seu novo álbum, que será lançado no próximo dia 29, tem um título curioso, “Brazil’ejru”. Como chegou a este nome?

Sim, [Brazil’ejru] entre colchetes, pois é a transcrição fonética da palavra brasileiro. É como a pronunciamos e não como a escrevemos, para marcar muitas coisas: primeiro minha intenção de retratar o Brasil da oralidade, da cultura de rua, das periferias, das comunidades e não da elite da norma culta; o Brasil “pop”, secundariamente, pois sou um estrangeiro que mora no Brasil há 22 anos e que tem um sotaque, uma identidade, um jeito meu de ser BRAZILEJRU. E finalmente, pois sou linguista e acadêmico, então queria marcar essa minha outra faceta na música também.

Sua música aborda aspectos envolvendo padrões sexuais, amorosos, políticos e religiosos. Como você analisa esse atual momento no país?

É um momento perigoso, contraditório e estimulante ao mesmo tempo. Com certeza, tem um questionamento retrógrado e violento de matriz evangélica e fascista de todos os direitos e liberdades adquiridos com batalhas e mortes ao longo de muitos anos: aborto, casamento gay, homofobia, transfobia, preservação do meio-ambiente, racismo, etc. Por outro lado, uma reação forte por parte da comunidade e das maiorias minorizadas que se traduz em muita luta, arte pulsante, mas precisamos fazer muito mais, acho que todos, mas artistas sobretudo e entidades públicas têm que se colocar muito mais e sempre. 

O clipe da música Macho Discreto mescla o rap com o eletrônico, essa fusão musical é algo que faz parte do seu trabalho. Essa canção seria a respeito da liberdade de expressão de ser quem você é, quem deseja ser?

“Macho Discreto” foi a primeira música que compomos e gravamos desse álbum, saiu ano passado e causou muito (o clipe tem mais de 100 mil visualizações no Youtube e mais de 200 mil streamings no Spotify). E deu o norte a toda sonoridade do álbum. Eu curto demais rap, hip hop e trap, acho com certeza os gêneros musicais mais inovadores e engajados da atualidade. Como não sou rapper, queria muito ter essa estética e força na minha música e chamei o Warllock, um rapper negro e LGBTQI+, pra participar deste hino feminino – feminista – afeminado como o defino. 

Essa música é um tapa na cara e uma mão estendida; um tapa na cara pois ainda que seja dificil se assumir (não foi fácil pra ninguém), a gente precisa acordar e parar de se colocar sempre como merecedor somente do banheirão, do bafon, do beco para viver a própria sexualidade. Isso já deu, sexualidade é felicidade, vida, não podemos aceitar de fazer sexo com culpa e medo o tempo inteiro, nem de esconder esse desejo atrás de casamentos e relações de fachada que estragam a vida de todos. E uma mão estendida, pois nós que estamos já fora dessa escuridão há tempos, devemos nos expor para ajudar quem ainda está lá.

Rohmanelli – Foto: Bruno Ropelato

Inclusive nesse clipe você raspa o cabelo. Não foi difícil abrir mão da vaidade mesmo que em nome da arte?

É foi sim. Pensei muito, até tinha desistido de fazer, mas no dia da gravação dessa cena, na hora mesmo, decidi que sim, o clipe merecia, isso ia dar muita força à verdade dessa música. Eu sou libriano, italiano, estética para mim é tudo, sou muito vaidoso sim mas foi ótimo descobrir outra forma de ser, sair do usual, e como encaro a Arte como intérprete, performer, quem se coloca a serviço de um fato artístico, que se deixa moldar pelo diretor, objetivo estético etc; acho que sim temos que fazer tudo pela Arte, até renunciar a nossa vaidade.   

Você nasceu na Itália, mas há mais de 20 anos vive no Brasil. O que te trouxe aqui?

Me trouxe o cansaço, a curiosidade, a inquietação com o óbvio. Não me vejo trabalhando  e vivendo sempre no mesmo lugar e com as mesmas pessoas. Vivia em Bergamo, no norte da Itália, numa cidade provinciana, católica, muito retrógrada. Sempre fui muito livre e, sempre causei muito escândalo, burburinho, assédio e violência desde criança. Aquilo tudo me cansou, precisava voar e ter outros horizontes. As pessoas aqui no Brasil sempre acham que para gay de fora é tudo mais fácil, mas não é. A Europa é muito conservadora, existe muito racismo, tem uma onda de direita e fascismo já há muito tempo. A Itália foi o último país a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo, era demais para mim. Como tenho tios na Bahia, vim passar um tempo sem pretensões, foi um amor súbito que dura até hoje. Amo o Brasil, defendo o Brasil, o Brasil me ensinou a ser mais livre e feliz de verdade, me sinto no dever de defender o Brasil sempre. É um país e um povo que merece muito mais que este lixo que estamos vivendo, este álbum fala disso tudo, é minha homenagem a este país extraordinário.

Você é professor universitário também, é como se durante o dia você fosse o Sérgio e a noite o seu alter ego Rohmanelli surgisse, quebrando qualquer paradigma. Seria algo assim?

Sim de algum forma sim, mas nem tão separado (risos). Já fui dar aula e logo depois na própria UFSC na minha sala me montei, maquiei, botei salto e fui performar na reitoria, em eventos acadêmicos organizados por meus colegas ou por mim. Já gravei clipe na UFSC (o primeiro intitulado Anomalous) com estudantes do curso. Acho que temos que mostrar que somos muitas coisas e que uma não diminui a outra e que podem conviver no mesmo espaço. Sou professor seríssimo e competente; artista e performer provocador. São duas formas de fazer a mesma coisa, tento questionar, estimular a crítica, a quebra desses paradigmas ridículos do que pode e não pode, que nos perseguem e limitam até hoje. Chegaaaa! Não temos muito mais tempo para evoluir, tem que ser já.  

Rohmanelli – Foto: Bruno Ropelato

Quem são suas influências musicais nacionais e internacionais?

Ah… são muitas, desde a new wave e pós punk do final dos 70 e 80 até o rap, hip hop, trap da atualidade, mas também a música clássica e ópera italiana. Com certeza David Bowie, Ney Matogrosso, Renato Zero, Gorillaz, Stromae, Janelle Monáe, Elza Soares, Bethânia… muitos mesmo, todos por diferentes motivos. 

O seu visual tem algo de andrógino, mesclando trajes masculinos e femininos. Da onde vem essa androginia?

sim. Isso que você falou é muito importante. Eu lido com o conceito de Androginia e não com o de Transgender, são coisas muito diferentes. É um conceito mais dos anos 80 e 90. Eu sou um homem cis muito bem resolvido e feliz com esta identidade, mas que curte também o próprio lado feminino associado erroneamente a maquiagem, saltos, sensualidade etc. Acho que isso tudo é uma babaquice, um homem pode usar salto, se maquiar etc, sem ser associado por isso a Drag ou Trans. São coisas muito diferentes e não devem ser confundidas. É mais uma questão estética mesmo, sempre adorei maquiagem e saltos e indumentária feminina e não vejo porque um homem não pode usar se isso o torna mais bonito, mais atraente, mais interessante; também nasci Andrógino, tenho traços finos, pele lisa, não tenho pêlos, nasci assim felizmente e não quero mudar isso para agradar  ninguém. Sou Andrógino e feliz, e essa síntese expressei no clipe de Macho Discreto, inclusive tatuei o simbolo renascentista do Andrógino nas minhas costas ao vivo no clipe, pra deixar bem claro, não é barba e pêlos que fazem de mim um homem mais homem; babaquice! 

O seu álbum de estreia “Anomalous”, era um trabalho conceitual que trafegava entre o português, inglês e italiano. Por que essa fusão de idiomas?

Verdade! Bom… como disse sou linguista, ensino línguas estrangeiras, falo várias e queria estudar todas, pra mim é normal falar e compor em vários idiomas, aí foi natural. Acho que expressa bem essa pluralidade que sou e que quero expressar: Anomalous é um trabalho sobre o conceito de Anomalia, anormalidade, normal etc; todas as músicas abordam isso, existe “normalidade”, pois todos queremos de alguma forma ser aceitos, e ser aceito é mais fácil quando não questionamos os outros e seus padrões. Eu sempre fui o oposto, sempre fiz e fui o que eu queria, sempre fui considerado anomalous em todo grupo que tentei aproximar, até os LGBTQI+ e outros. Nunca somos suficientemente “certos” para cada grupo, todos têm normas. Então sabe de uma coisa, enchi o saco, sou o que sou, goste quem gostar, nunca participei de grupo nenhum, meu grupo sou eu. Isso é ser ANOMALOUS! 

Você se sente representado musicalmente quando o assunto se refere a cena musical LGBT?

Em parte. Como falei antes, não me identifico totalmente com grupo nenhum, nem com o LGBT; musicalmente curto muito música eletrônica e dance, sempre curti. Sou dançarino e para mim música tem que ser dançante, parte rítmica para mim é fundamental, isso com certeza vem da frequentação de boates gays nos anos 80 e 90 etc. Por outro lado, minha música tem muito peso, curto muito rock, música dark, meu pop é um Transpop como o defini. Tem uma estrutura pop mas não é leve, não busca agradar, tem timbres pesados, guitarras etc. Isso acho me distancia de certo gosto dos artistas e público LGBT, mas tem muitos da atualidade em que me identifico muito e que tem esse peso: Linn da Quebrada, Jup do bairro, Rico Dalasam e muitos outros. Admiro muito todos, mas são mais do rap, o pop lgbt acho sinceramente meio repetitivo e leve demais, precisa se renovar, ousar um pouco e parar de imitar as divas do pop estrangeiras. Aqui temos muita riqueza cultural e musical, não precisamos imitar ninguém.

Em 2018, você lançou “Fanatismi”, um trabalho todo em italiano, como foi a repercussão desse trabalho?

Foi boa. Foi meu primeiro álbum todo na minha língua materna. Aqui no Brasil e no mundo tem justamente muito amor pela língua e música italiana e sempre me pedem isso, inclusive eu tenho um show ao vivo só de músicas clássicas italianas que se chama Censurate e que, até agora estou fazendo ao vivo nas plataformas. Música italiana é muito bonita, muito legal poder cantar em italiano, pois é completamente diferente compor e cantar em outra língua. Cada uma tem especificidades e atmosferas únicas, mas nesse caso também não me interessa repetir um clichê, aí dou minha cara a essa tradição com arranjos novos, inusitados, misturando sempre eletrônica com orgânico. Gravei também clipes dessas músicas em italiano, um na Bélgica (com o coautor e produtor do disco), espero que gostem, estão no meu canal no Youtube.  

Rohmanelli – Foto: Bruno Ropelato

Em diversas fotos suas Rohmanelli, sua maquiagem e estilo, lembra a do cantor David Bowie. Ele é uma inspiração para você?

Com certeza é minha maior referência. Entrei no mundo adulto graças ao David Bowie, quando assisti o filme Christiane F e escutei aquela trilha sonora e li o livro quando eu tinha 10 anos. Quase fui expulso da escola, pois convenci todos os meus amiguinhos a assistirem e lerem aquele livro que fala de drogas, sexualidade e diversidade. Devemos muito a ele, pois David Bowie nos mostrou que ser “Anomalous” não é uma deficiência, mas uma força.

Aquilo mudou minha vida, grande artista, em contínua evolução, nunca fez um álbum igual a outro, sempre experimentou, foi pop, rock, eletrônico, clássico… sempre se lixou para regras. Isso para mim é ser um homem e artista livre, perseguir a própria coerência artística e de vida e não a dos outros ou o gosto do público. Fisicamente me pareço muito com ele, todos sempre dizem, e aí o fato de ser andrógino como ele, me ajudou e claro destaco ainda mais isso com a maquiagem e figurinos que todos remetem aos anos 80, afinal fui um adolescente nos anos 80. Isso fica marcado, não tem como tirar de nós, e toda essa construção da minha estética visual é fruto de um trabalho enorme e de uma pesquisa que levo adiante com meu grande amigo e parceiro: o Ricardo Saugo, figurinista e diretor de arte, assim como devo muito ao meu produtor musical Binho Manenti que, me ajudou a  construir esse som todo meu. Fico muito grato a eles e a todos que trabalham comigo. 

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