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Nesta entrevista, concedida por telefone direto de Hamburgo, na Alemanha, onde passa uma temporada, Márcia Pantera não cansa de repetir como está feliz. Com 32 anos de carreira e muitos altos e baixos, a veterana drag – criadora do movimento bate cabelo, musa de estilistas e também atriz-, fala sobre o passado, o auge numa era pré-internet, o fundo do poço nas drogas e como ela conseguiu dar a volta por cima.

Márcia Pantera /Reprodução

Desde 2017, a drag queen se divide entre o Brasil e Alemanha, onde passa uma temporada de seis meses, fazendo shows em uma badalada casa noturna alemã, além de fazer parte de um grupo de dança há 3 anos.

Este ano você será homenageada com o prêmio ícone Mix Brasil, do Festival Mix Brasil. Qual é a importância dessa homenagem para você, que possui mais de 3 décadas de carreira?

- BKDR -
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Eu acho que todas as pessoas têm que ser homenageadas em vida, sempre. Homenageadas por um bom trabalho, pelo caráter, pela humildade, pelo artista que você é. Três décadas, meu Deus do céu! Que incrível eu poder fazer o que eu amo. Eu só estou aqui hoje ainda porque eu faço o que eu amo, porque se todas as pessoas entenderem que cada trabalho que você faz, se você amar aquilo que você faz, tudo é diferente, tudo vai ser incrível na sua vida. Não tem um dia que eu saio para trabalhar triste, mesmo passando por momentos difíceis, porque são nesses momentos difíceis que eu saio para trabalhar, é quando eu me divirto e libero a minha cabeça de tudo. E aí eu tenho que dar sempre o melhor de mim pra tudo.

Bate cabelo
Márcia Pantera /Reprodução

Voltando um pouco ao passado, já são 32 anos de carreira, como foi o seu início na noite gay paulistana?

O meu início foi incrível. Eu sempre fui um atleta de voleibol, joguei durante alguns anos no Suzano Sport, lá em Suzano (SP). Quando descobri a noite foi incrível para mim. Nunca tinha visto dois homens se beijarem, isso foi na boate Nostro Mundo, e isso foi acontecendo. Eu lembro que o primeiro show que eu vi, um dos melhores shows que eu vi na minha vida, que foi inspiração para mim, foi o da Marcinha do Corintho, mas eu vi inúmeros shows maravilhosos na Nostro Mundo. Eu tive a ajuda de muita gente. Eu tinha o carinho de todas no camarim. Eu participei de um concurso na boate Nostro Mundo onde eu ganhei, onde que me maquiou pela primeira vez foi a Cheyenne Crer Crer. Hoje ela mora em Berlim, e quando ganhei [o concurso], fui convidada pra ter todo final de semana uma data. Eu fui ganhando espaço e conquistando o carinho das pessoas, sempre com a minha humildade e com o meu respeito.

Márcia Pantera/ Reprodução

Existem muitas diferenças da noite gay do passado para a atual?

A grande diferença é que, lá atrás, as pessoas eram muito, mas muito mais unidas. Não tem nem comparação com o que é hoje. Hoje é um jogo de disputa para saber quem é melhor, quem tem mais seguidores, quem faz isso, quem faz aquilo. Eu acho que hoje a noite perdeu muito, apesar de termos muitos artistas bons, mas o meio gay, o meio drag queen, se perdeu um pouco. Eu acho que é cada uma correndo por si, e fazendo de tudo para conquistar seguidores e esse alcance na mídia. No meu tempo, não tinha nada disso. Não tinha a mídia a meu favor, não tinha nada. É claro que, junto com o Alexandre Herchcovitch, eu conquistei muitas coisas né.

Desde 2017, você tem passado uma temporada de três meses na Alemanha. Tem planos de viver definitivamente em solo alemão?

Quem me trouxe para Alemanha foi a Catherrine Leclery. É uma amiga que eu já conheço há alguns anos. Ela já trabalha aqui há muitos anos, há 30 anos, e um dia ela me disse “eu vou te levar para Alemanha”, e isso se tornou realidade em 2017. Na minha primeira vez, eu vim para fazer uma festa de rua, que é uma festa incrivelmente maravilhosa que tem em Colônia, e eu fui uma das atrações principais do Brasil, e foi maravilhoso. Eu fiquei três meses aqui, dançando, e foi onde eu conheci alguns amigos que estavam aqui em Hamburgo, para eu fazer um teste neste lugar onde eu trabalho hoje, que é o Pulverfass Cabaret travesti show. E daí, vim, fiz o teste, passei. O dono amou a minha imagem, a postura, a drag queen em si. Eu trabalho seis meses por ano aqui. Eu penso seriamente em poder viver aqui, mas tem que ter documentos etc. Diferente do Brasil, aqui é uma outra educação, uma outra cultura, mas eu gosto muito daqui.

Como é a noite LGBT na Alemanha, fora do eixo Munique-Berlim?

Nessas cidades, eu fui só a passeio. Não fui a trabalho. Como eu disse pra você: eu amo o que eu faço, então eu tô em casa, estou no meio dos amigos. Eu danço em um grupo chamado Magic Fantasy há três anos. Então, os outros lugares eu não fui a trabalho, só em Colônia que eu fui a trabalho, os outros foram a passeio, Berlim, Amsterdam (Holanda) e outros lugares, a passeio.

Márcia Pantera / Reprodução

É verdade que você é conhecida como a pioneira do “bate cabelo”? Como surgiu a ideia de mexer freneticamente a cabeça, que depois foi imitada por muitas?

Eu sou a precursora e criadora do movimento. Então tudo começou comigo. Os shows eram totalmente diferentes na época que eu fazia Nostro Mondo. Não tinha nenhuma drag fazendo a pegada de espetáculo que eu fazia. Todas faziam uma coisa mais antiga, Shirley Bassey, Donna Summer, Whitney Houston, e aí os anos foram passando. No final dos anos 1980-1990, apareceu o Blackbox e outros grupos, com outra pegada de música. Foi onde eu ganhei uma música de um DJ e comecei a mudar meu estilo de show, então essa pegada do bate cabelo aconteceu numa música do Michael Jackson. Eu lembro que eu fazia um movimento muito forte com o cabelo para trás, e o Herchcovitch comentou comigo “aquilo que você faz é muito legal, você tem que fazer mais” e eu falei para ele “eu nem sei o que é isso!”. Então, ele disse pra eu dançar a música de novo, e aí gente foi adaptando, adaptando em girar, em bater cabelo.

Eu não sou só conhecida por ser a pioneira, eu sou a criadora do movimento bate cabelo, aí depois vieram várias outras. Hoje, na nossa cultura drag existem muitas drags fazendo essa cultura do bate cabelo. Eu sou muito feliz por ter criado um movimento, onde todas fazem, sendo também o seu trabalho, o seu ganha pão que seja. Eu não vou falar isso me gabando não, vou falar isso como um trabalho lindo que eu descobri e até hoje várias das drags estão fazendo o movimento, e eu acho incrível.

Eu só acho que são anos e anos né, a gente precisa ter alguma coisa nova, que alguma drag lance algum outro movimento, alguma coisa. Eu não sou a Márcia Pantera só por causa do bate cabelo. Eu sou a Márcia Pantera que fez inúmeros trabalhos maravilhosos com o Herchcovitch. Eu fiz desfiles, eu fiz Elle, eu fiz Vogue, Bazaar, Interview, eu fiz um milhão de coisas, fiz Fernando Pires. Essa Márcia Pantera que bate cabelo, é uma Márcia que sobe nas estruturas, que toma banho de cerveja, que pula no meio do público, que já entrou de moto. Ela não é só um bate cabelo. Existe a postura, a dublagem, a figura em si, a produção e maquiagem. Eu acho que tem muito mais aí por trás da Márcia Pantera para as pessoas conhecerem.

Você foi musa do estilista Alexandre Herchcovitch, tendo feito inclusive editoriais de moda para Elle, Vogue e capa da Interview. Como foi a sua
passagem pelo mundo da moda?

Eu era a única drag a fazer esse universo, nessa pegada do Herchcovitch. Eu fiz vários Phytoervas com o Herchcovitch. Fiz Elle, Vogue, Interview, Harper’s Bazaar, todas com ele. Depois apareceu na minha vida o Fernando Pires, que eu fiz vários desfiles de sapatos pra ele. Então, tudo isso que está acontecendo hoje, eu já fiz lá atrás. Toda essa loucura que as drags buscam, essa coisa de estar numa capa [de revista], de ser e de fazer acontecer, eu já fiz tudo isso. Eu acho bem incrível, bem bonito isso acontecer ainda hoje, pena que não tinha a internet a meu favor na época, mas tá tudo bem. Eu sou a Márcia Pantera porque eu conquistei as pessoas boca a boca, cara a cara, ali, no palco, fazendo meu trabalho. O Alê sempre foi a pessoa mais incrível na minha vida, o amigo mais incrível.

Márcia Pantera/ Reprodução

Ser famosa era um sonho antigo?

Eu nunca quis ser famosa. Eu sempre quis fazer meu trabalho. A fama, ela acontece na sua vida. Ela vem com o seu trabalho, com as suas conquistas. Essa busca de querer ser famosa eu acho um pouco perigoso, porque depois você pode não saber lidar com isso. Foi onde eu caí nesse mundo das drogas.

Você ainda tem guardado os mais de 300 modelos que o estilista fez pra você?

Não (risos). Eu devo ter uns dez, quinze modelos apenas. Muitos deles eu vendi, outros me roubaram. Eu falo para o Alê que teve uma época que virou uma moeda de troca né. As roupas do Herchcovitch eram tão desejadas, por tantas drags, que elas ficavam me atormentando para eu vender. Vendi algumas coisas também por causa das drogas, mas eu tenho o Alê como uma pessoa da minha família, um grande irmão, e foram modelos incrivelmente maravilhosos. O Alê foi a minha alavanca, foi a minha escada, ele foi um grande amigo, um impulso. Você não tem noção o que é o Alexandre Herchcovitch na minha vida.

Márcia Pantera /Reprodução

No passado, você viveu momentos difíceis por causa das drogas. O que te motivou a largar o vício?

A gente tem a droga no mundo, né? A gente teve artistas maravilhosos que perdemos por causa da droga. Talvez porque não conseguiu segurar aquela onda toda. É difícil. Eu cai num buraco e não consegui sair. Virei um escravo dessa droga aí, perdi muita coisa, mas o material nem foi o mais importante. O mais importante foram as pessoas que eu perdi. Essas pessoas que perdi e que eu amava: minha avó, minha mãe, meu irmão, entre outras pessoas que eu perdi, e que eu não percebi porque eu tinha a droga para me aliviar.  Quando eu perdi a última pessoa da minha vida, que era o meu irmão, e foi por causa da droga também, minha ficha foi caindo. Eu fui para duas clínicas, e aí eu já estava perdendo muita coisa. Minha irmã que joga vôlei em Portugal, e hoje está na Suíça, me disse: “Eu vou embora hoje, só vou ficar esperando alguém ligar para mim dizendo assim, vem enterrar o seu irmão”. Foi aí que nessa noite eu falei: “Não. O meu final não pode ser esse”. Eu amo minha vida, eu amo meu trabalho, eu amo minha família, preciso me levantar. Eu tive muita gente tentando me ajudar, mas aí você não enxerga nada disso, mas graças a Deus, ao meu bom Deus, eu consegui me livrar de tudo isso e voltei do zero. Eu sempre tive um nome forte, então quando as pessoas foram percebendo que eu estava muito mais “limpo”, cada vez melhor, eu voltei e aí só fiz o que eu mais amo nessa vida que é ser essa drag queen Márcia Pantera.

Desfile
Márcia Pantera / Reprodução

O público europeu que frequenta a noite LGBT na Alemanha, por exemplo, é muito diferente do público brasileiro? Sei que há baladas em Berlim
que duram dias ininterruptos.

Sim, é diferente. O público alemão é diferente. Eles acompanham com aplausos mas para você “derrubar” o lugar, você tem que ser  c******, você tem que ser do babado. Eu não posso dizer para você que isso não aconteceu comigo aqui, porque já aconteceu algumas vezes, e eu fiquei bem feliz , de estar conquistando com meu trabalho diferente aqui (Alemanha), mas é tudo aos poucos. Hoje eu estou feliz com o que eu faço. Estou feliz de estar no palco, de poder fazer meu trabalho. Eu tô feliz por ter realizado meu sonho realizado como pessoa. Sim, existe uma diferença gigante. O brasileiro é um público que te cobra muito, né? Eu sou energia pura, então o público percebe sempre a minha energia. E eu fico muito feliz por isso.

Além dos palcos das boates e da moda, você também fez cinema. Como foi a experiência como atriz?

Eu fui descoberta pelo Marcelo Caetano. Um diretor maravilhoso que me ensinou muito como atuar, como ser atriz/ator. Eu fiz dois filmes com ele. Eu fiz o Verona, onde eu fui a protagonista, depois fiz Corpo Elétrico também, junto com Lynn da Quebrada e um elenco incrivelmente maravilhoso. Eu já fiz uns quatro ou cinco filmes, fiz alguns curtas. É incrível você poder atuar dentro desse universo. Eu sou muito feliz no que eu faço, eu sou muito feliz na minha vida.

Cenas do filme Corpo Elétrico
Márcia Pantera, em Corpo Elétrico / Reprodução Youtube

Ao longo de 32 anos de noite, como você avalia a noite gay atual ? (me refiro antes da pandemia)

A noite atual no Brasil está bem difícil. Porque a gente tem como diva da noite a bala (droga). Então a gente perdeu muito público para esses espaços, para essas pessoas que não vão mais para a balada só para ver um show. Elas vão para ficar loucas, para se colocar, mas é cada um na sua pegada. Infelizmente a nossa noite de São Paulo, do Brasil, eles não dão tanto valor a essa drag como teria que dar. A gente investe muito para estar no palco, para mostrar um bom show, mas na hora de receber o cachê, esse valor infelizmente, ele não chega num valor em que a gente pode se sentir valorizada. Quando você é valorizado, a arte muda, porque você pode realmente investir em tudo aquilo que você faz. O que falta no Brasil é a valorização do artista dentro da nossa cultura.

Você já sofreu racismo dentro do meio LGBT?

Infelizmente em todo meio existe essa coisa do racismo, mas em algum momento da minha vida ou em vários momentos da minha vida, eu passei por isso de forma bem pesada, mas nada disso me impediu de chegar e de querer chegar aonde eu quero chegar por causa do racismo. Porque o problema do racismo não é meu, o racismo é o problema do outro. Eu tô feliz de poder passar por cima de tudo isso e de fazer o que eu amo, porque na verdade a minha cor negra não pode me impedir de chegar onde eu quero sempre. Fico feliz também de falar sobre a revista Vogue dessa temporada de outubro, que a gente tá aí: eu, Pabllo Vittar, Gloria Groove, Halessia e Bianca de la Fency. A gente precisa dessa união, de pessoas que se unem, que se ajudem. Falta muito ainda, sabe por que? O olhar da inveja ainda é gigante. O outro artista não consegue olhar para outro e vê que ele está vencendo, que está feliz, porque queria estar no lugar dela, mas Deus é quem aponta a estrela que tem que brilhar.

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