O herói que mora ao meu lado | Orkut Buyukkokten

Orkut, nosso herói das redes sociais, reflete sobre o episódio do bloqueio no Tinder em Porto Alegre e a triste sensação de ser incompreendido

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Eu sempre fui um grande fã de quadrinhos. Cresci lendo X-Men vorazmente. E ainda hoje continuo lendo. A série, que gerou um império de filmes de sucesso e diversos produtos de merchandising, foi criada em 1963 por Stan Lee. Os quadrinhos seguem a linha de super-heróis (ou “mutantes”, na linguagem dos livros, por causa das mutações genéticas que lhes dão superpoderes) que lutam para proteger o mundo do mal.

O herói que mora ao lado | Orkut Buyukkokten
Imagem/Hello.com

Quando eu era criança, meus pais viviam mudando de cidade. A única coisa constante na minha vida foi a mudança e, por este e outros motivos, muitas vezes me senti deslocado. Quando nos mudamos da Turquia (onde nasci) para a Alemanha, eu era o “novo garoto com um sotaque engraçado”. No ensino médio, depois que voltamos para a Turquia, eu era o nerd. Mais tarde, quando eu estava nos Estados Unidos fazendo doutorado, entendi que eu era gay. Ao longo da minha vida, embora tenha feito amigos onde quer que eu estivesse, nunca tive a sensação de pertencimento. Eu sempre senti que havia algo em mim que era diferente e que me fazia parecer estranho. Eu nunca me senti completamente compreendido.

Não é difícil entender, agora, porque achei as histórias dos X-Men tão interessantes. Nas HQs, sempre havia um grupo de homens cujas diferenças eram precisamente o que lhes davam força. O que os tornavam diferentes era, ao mesmo tempo, os superpoderes. Os X-Men são incompreendidos pelo resto da sociedade por causa de suas diferenças e, por esse motivo, eu me identifico com eles.

Ainda hoje, sinto-me vivendo de acordo com os valores que os X-Men incorporam. Os X-Men nos ensinam que nossas diferenças vêm com responsabilidades que vão além dos deveres que assumimos como parte de nosso “contrato social”. Estou falando especificamente das responsabilidades de auto-representação, autoproteção, autodefesa e autopreservação. Os X-Men precisam se defender contra a constante ameaça de discriminação e violência. Alguns podem ver nossas diferenças como encargos ou perigos e, de certa forma, são, mas optar por enxergar a diferença como uma responsabilidade me ajudou a construir autoconfiança; isso me permitiu a relacionar com outras pessoas que poderiam me dispensar, ou pior. Isso me ajudou a superar meus medos em muitos contextos diferentes na minha vida.

Eu realmente não tenho nenhum medo, exceto ser mal-interpretado. De fato, meu único medo verdadeiro e não resolvido na vida é não estar sendo compreendido, justamente porque me senti assim durante muito tempo. Fui incompreendido em contextos de namoro em que minha simpatia e franqueza foram confundidas com o interesse em transar. Fui mal-interpretado no local de trabalho onde meu idealismo foi confundido com ingenuidade ao invés de ambição. Sou incompreendido até mesmo por alguns de meus amigos mais próximos que às vezes consideram meu amor um tanto áspero.

Outro dia, tive um mal-entendido que foi doloroso e confuso. Eu estava em uma viagem de trabalho em Porto Alegre, no Brasil, e num horário de folga da conferência abri um aplicativo de relacionamento para tentar fazer amigos na cidade e, talvez, até marcar um encontro. Um cara com quem eu dei match começou a questionar sobre o meu perfil, achou que eu havia criado um perfil fake para se passar por mim. Ele desfez o match e denunciou o meu perfil como falso – e fiquei impedido de fazer o meu próprio login!

Fiquei assombrado por esse episódio por semanas. E isso me levou a refletir sobre o motivo pelo qual as pessoas geralmente são incompreendidas online. Vivemos tanto no mundo virtual que, de muitas maneiras, quem somos online é tão real para nós quanto no mundo analógico. Que coisa perturbadora é essa situação de receber um “não, você não se autenticou o suficiente pra provar que você existe. Você não é real”.

A maioria das pessoas como eu sente um enorme desconforto com a ambiguidade que advém de não ser compreendido. Não gostamos de incerteza. Cientistas mostraram que, quando olhamos para um rosto cuja expressão é de indiferença, ficamos mais estresse e desconforto do que quando confrontamos alguém que está com raiva ou chateado. Simplificando, a incerteza nos deixa desconfortáveis. Esperamos o pior nas situações que não trazem certezas. Na ausência de informações precisas, damos uma desculpa qualquer para evitar – e geralmente estamos errados em fazer isso. Isso vale para a comunicação online e offline. Muitas vezes, as coisas não são o que parecem e nós as interpretamos mal. Como consequência, enchemos nossas vidas com ansiedade, desconforto e estresse.

Todos nós já experimentamos a sensação de sermos incompreendidos pelo menos uma vez. Isso pode ser, em parte, devido aos impactos negativos da mídia. Uma pesquisa recente descobriu que 62% dos adultos acreditam que as notícias que veem nos jornais ou na televisão ou ouvem no rádio são tendenciosas e que 44% são imprecisas. Lidamos tanto com estratégias de marketing, corporações, marcas, políticos tentando nos enganar, que talvez essa desconfiança tenha começado a se infiltrar na maneira de como lidamos com as pessoas ao nosso redor. Não confiamos mais um no outro. Chegamos a questionar as intenções de outras pessoas. As consequências de mal-entendidos são terríveis. Os relacionamentos acabam quando percebemos que a pessoa com quem namoramos não é quem pensávamos que eram.

Se realmente queremos ser entendidos, temos que ser nós mesmos. Temos que ser corajosos e confiantes, mas também humildes e gentis. Temos que ser autênticos e expressivos, mas também sinceros e solidários. Não podemos deixar nossa humildade sabotar a nossa coragem. E, quando somos incompreendidos, não podemos perder a esperança. Podemos até nos surpreender com o quão interessante podemos ser com os nossos “eus” autênticos, quando realmente compartilhamos o que realmente somos – sem filtro algum. Podemos até descobrir que, ao fazermos isso, as possibilidades para amar e namorar – para sermos entendidos como de fato somos – começam a aparecer novamente.




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Empreendedor pioneiro em mídias sociais de São Francisco e cofundador e CEO da hello.com, dedica-se a reunir pessoas, online e offline. Construiu uma das primeiras redes sociais, o orkut.com, que inspirou mais de 300 milhões de usuários ao redor do mundo a se unirem e fazerem conexões autênticas. Orkut é gay e militante da diversidade e da igualdade. Comentarista frequente sobre impactos positivos e negativos das redes sociais, também é um ávido programador, barman e massagista profissional. Adora dançar e é conhecido por fazer uma das melhores festas durante o Pride em São Francisco. Acompanhe o Orkut em instagram.com/orkutb e participe da nova rede social: hello.com

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