Rindo de mim ou comigo? | Eliseu Neto

O psicólogo e pedagogo pondera sobre os limites do humor e as consequências que algumas piadas podem trazer

Sempre fui o cara engraçado na escola, com bom humor, lidando com as piadas. Há pouco tempo, um grande amigo mandou recado por outra, pedindo perdão pelo modo que me tratou na adolescência. Fiquei meio confuso. Ele me zoava sim, de “viadinho” e outras coisas. Como defensiva, eu o chamava de CDF ou falava de sua falta de pescoço. Não seria uma simples troca de bullying entre garotos?

Hoje eu sei que não era. Meus dois melhores amigos de infância se suicidaram, ambos gays. Ambos se enforcaram. Até hoje não conheço ninguém que se matou por falta de pescoço ou por ser “CDF”.

Piadas abrem o campo do que pode ser dito. Muitas vezes, aquilo que sabemos que é violento demais para se falar publicamente, vem na forma de piada. A piada reforça o discurso negativo. As pessoas são culturalmente preparadas para falar algumas coisas. Deve haver um enfrentamento não em relação às pessoas que proferem discursos de ódio, mas ao discurso em si. Ele abre o campo do ódio. Não podemos confundir crítica contra o humor que mata as minorias com censura. Ninguém está proibindo outros de falar, mas exigindo que estes saibam o peso que estas piadas têm sobre vidas LGBTs, pretas e/ou mulheres.

O humor é uma importante ferramenta conta o sistema, veja as charges contra o Bolsonaro que ele tenta proibir ou mesmo na ditadura. Fazemos humor contra religiões, contra padrões estabelecidos, enfim, existe a tese de que humor não tem limites. Mas eu vejo claramente estes limites.

Recentemente, numa conversa com o humorista Fabio Porchat falamos desses limites, e eles estão na lei 7716, que é a lei geral das discriminações. O limite é um humor que afia as facas da morte, da agressão, da humilhação. Na Segunda Guerra, as piadas sobre judeus viraram conteúdo de aula e cultura de ódio. Sugiro assistir ao filme “Jo Jo Habbit”, onde o menino fazia o desenho do “demônio judeu”. Não preciso lembrar onde esse “humor” acabou. As piadas racistas, sejam na negrofobia, quanto na LGBTfobia, fazem essa função, humilham uma população. Antes de termos clareza nos nossos desejos, sabemos, pelas piadas, que ser gay é não ser homem, não aceito, não inserido, não possível. Quem vê graça nisso?

Quem ganha ao ouvirmos risos sobre um hétero com uma linda mulher trans, numa live de sertanejo? Esses risos são conosco? Ou sobre nossa dor? A dor/aniquilação não deveria ser o limite?




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1 COMENTÁRIO

  1. A piada tem um “q” de subalternização do outro e, portanto, tem que ter muito cuidado com o que se diz mesmo, já que elas estão diretamente aos nossos valores construídos.

    Tanto que as expressões de baixo calão, como “vai tomar no **”, por exemplo, estão diretamente relacionadas a homossexualidade. Dificilmente você verá uma pessoa falar pra mulher: “Vá tomar na bu****” em forma de ataque.

    O mesmo vale para “filho da p***” e não “filho da crente”, ou então a frase do ex-bbb “estou boiola assim?”, dificilmente verá: “estou hétero assim?”.

    Somos construídos para sermos vistos como “menos”, e esse “menos” se mostra em piadas homofóbicas, piadas racistas (há piadas com negros, não com brancos), piadas transfóbicas e por aí vai.

    Por outro lado, há casos em que o gay é bastante afeminado e os outros gays riem e brincam com o gay, mas NESTE caso é rir “com a pessoa” porque ela é divertida. Esse limiar é tênue, e saber se está rindo “com a gente” e não “da gente” envolve confiança e amizade. Na dúvida, tratar com seriedade e respeito é a melhor decisão.

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