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Em 2004, foi exibido no Festival Mix Brasil o drama francês Lado Selvagem, filme sobre o triângulo amoroso entre uma mulher trans, interpretada por Stéphanie Michelini. No enredo, ela trabalha como profissional do sexo e, com dois amantes de países distintos, formam uma família onde os homens não competiam pelo amor dela, mas se somavam – e este era o único elo familiar entre eles.

A obra estreou no Festival Internacional de Cinema de Berlim, ganhando os prêmios Teddy Bear de melhor filme, prêmio especial de júri (Special Jury Award) em Gijón, na Espanha, e o Prêmio do Grande Júri por Destaque Narrativo Internacional em Los Angeles.

Reprodução Stephanie Michelini

Stéphanie Michelini, que até então, não tinha experiência como atriz. Formada em história, ela foi escolhida dentre várias candidatas trans para o papel principal, se destacando pela sua atuação que “transbordava” melancolia como a personagem pedia.

O longa-metragem também conta com a participação de várias trans brasileiras, além da presença marcante na abertura do filme de Anohni (cantora e compositora transgênero que na época era “Antony Hegarty”), cantando a capella a canção “I Fell in Love with a dead boy” rodeada de mulheres trans, com Stéphanie em lágrimas.

Reprodução

Em uma conversa com o GAY BLOG BR, Michelini diz que está solteira e revela algumas curiosidades sobre o filme que projetou sua carreira.

Como você se tornou atriz?

Foi por acaso. O amigo de um amigo meu conhecia o diretor de elenco, que estava procurando uma mulher trans não operada. Então, eu conheci o Sébastien Lifshitz (diretor) e seu assistente. É engraçado porque eu havia comprado um DVD (de um filme do Sébastien) uma semana antes. Eu já conhecia o trabalho dele.

Lado Selvagem é o seu primeiro filme. Você não tinha nenhuma experiência como atriz antes? Como você se preparou para este personagem?

É verdade! Lado Selvagem foi meu primeiro filme. Tive a sorte de começar com um diretor que amava e um cinegrafista talentoso, além de interpretar um dos papéis principais com um roteiro tão bonito. Com o diretor, ensaiamos algumas cenas importantes com os meus colegas de cena. No filme, algumas cenas foram improvisadas.

Acervo pessoal

Várias mulheres trans fizeram o teste para o seu papel. Você se recorda como foram os testes de Wild Side/Lado Selvagem?

O projeto de Sébastien era filmar em formato de documentário, e ele buscava para o elenco atores não profissionais: uma mulher trans, um homem ilegal no país e um magrebino (natural de Magrebe, região do Norte da África) bissexual. O projeto recebeu financiamento e acabou se transformando em uma obra de ficção.

O diretor me disse que tinha um elenco de Lado Selvagem do Bois de Boulogne (um parque de área verde reduto de prostituição trans em Paris). Ele conversou com as profissionais do sexo, e muitas imaginavam que, fazendo esse filme, fariam uma carreira em Hollywood. Quando ele me conheceu, me achou diferente, foi quando ele teve a certeza de ter encontrado a personagem que ele queria para a história dele.

Reprodução

A última cena do filme foi também a última cena que você filmou e que suas lágrimas eram  reais. O que o diretor fez para “arrancar” aquela emoção toda?

A última cena do filme foi filmada no último dia de filmagem. Naquele dia eu estava triste, porque seria o último dia que todos nós estaríamos juntos. Para que eu realmente caísse em lágrimas, eu levei comigo uma gravação de áudio da voz do meu pai que morreu em 2001 e aquilo foi emocionante.

Em Lado Selvagem, há várias cenas de nudez e sexo. Foi difícil fazer as cenas?

Modéstia a parte, eu estava preparada psicologicamente para as cenas de nudez. A equipe técnica foi reduzida ao mínimo, Sébastien e o supervisor de produção me deram confiança para fazer as cenas.

Qual a sua opinião a respeito de atores cisgêneros fazendo personagens trans? 

Eu fico bastante dividida nessa pergunta. A atuação da atriz Felicity (Huffman) no filme Transamérica foi extraordinária, mas a maioria dos personagens trans interpretados por atrizes ou atores cisgêneros não são críveis (convincentes). O mesmo vale sobre empregar atores trans sem deixá-los restritos/presos a personagens trans.

Acervo pessoal

O filme participou de vários festivais, faturou alguns prêmios como o Teddy Award em Berlim, além de críticas muito positivas. Como foi lidar com a fama e o sucesso repentino?

Graças ao “Lado Selvagem” eu fui paparicada, viajei muito para representá-lo em festivais. Tive ótimas reuniões/encontros, graças ao filme e sempre recebi um feedback positivo.

Por causa do filme você veio ao Brasil (Lado Selvagem participou do Festival Mix Brasil). Quais são suas recordações da sua passagem pelo país?

Tenho boas lembranças do Festival Mix Brasil, pois fui muito bem recebida. Era a minha primeira vez no país, há tempos eu queria ir. Meu melhor amigo trabalha na Air France e ele foi com amigos para o Brasil sem mim, porque eu estava filmando. No ano seguinte, eles foram novamente, mas eu estava viajando promovendo o filme. Três meses depois, eu fui de férias com esses meus amigos.

Stéphanie Michelini protagonizou Lado Selvagem
Reprodução

É verdade que você gostou tanto que veio cinco vezes ao Brasil? O que você mais gostou daqui?

Fui cinco vezes ao Brasil, sendo duas para o ano novo no Rio de Janeiro. Nunca fui ao Carnaval, mas eu fui em uma quadra de escola de samba. Visitei Paraty, Petrópolis, São Paulo e Salvador. Foi uma coincidência que após cinco minutos caminhando, encontrei por acaso um centro LGBT e, então, um cinema que estava exibindo Lado Selvagem. O gerente do local, gentilmente me ofereceu o pôster brasileiro do filme. Eu esperei a sessão terminar e os espectadores ficaram surpresos quando me viram. Nós tivemos uma boa conversa sobre a obra. Eu gostei muito das belas paisagens, das pessoas, da comida e da música. Tenho ótimas recordações de uma noite linda que eu passei com a Claudia Wonder.

Stéphanie Michelini protagonizou Lado Selvagem
Reprodução

Algum romance brasileiro aqui?

Eu tive uma rápida aventura amorosa quando estava de férias. Eu sou um coração a ser conquistado. Um marido brasileiro me agradaria.

Fale um pouco sobre a sua vida, sua relação com a sua família, se você também é distante deles assim como a personagem no filme…

Eu sou parisiense e meus pais também. Ao contrário da personagem de Lado Selvagem, nunca rompi relações com a minha família; pelo contrário, recebi amor e apoio deles. No início, a personagem se chamava Sylvie, mas eu achei que esse nome não era da minha geração. Então, o diretor mudou para Stephanie, como eu. Isso gerou uma certa confusão entre os jornalistas que achavam que era a minha história sendo levada para as telas.

Você é uma das poucas atrizes trans que conseguiram bons papéis no cinema e na televisão. Você acha que o cinema francês dá muitas oportunidades para atores trans? Creio que existem vários filmes franceses sobre a temática LGBT.

O cinema francês oferece poucos papéis para atrizes e atores trans. Mesmo entre os cineastas gays franceses, há um ditado que diz: “nunca somos tão bem servidos quanto por nós mesmos”. Espero que em breve haja diretores na França como a talentosa Isabel Sandoval.

Stéphanie Michelini protagonizou Lado Selvagem
Acervo pessoal Stephanie Michelini

Você acha que a comunidade trans é mais respeitada na França do que em outras partes da Europa?

Certamente. Por um lado,  há menos assassinatos de pessoas trans na França, por outro a comunidade trans é pouco respeitada como na maioria dos outros países europeus.

Você já fez 12 filmes/séries, mas você tem algum projeto dos seus sonhos? Sobre um assunto específico?

Eu gostaria muito de trabalhar com cineastas franceses que admiro e também com atrizes como Catherine Deneuve, Isabelle Huppert e Juliette Binoche. Acho que o tema envolvendo relacionamentos com pessoas trans não é abordado o suficiente e creio que uma série seria interessante. Existem também belas biografias de pessoas trans ao longo da história em diversos continentes.

Quais são os seus próximos projetos?

Em função da pandemia, tenho poucos projetos atualmente. Fiz um teste na semana passada para uma campanha de prevenção contra a homofobia e transfobia.

Reprodução Stephanie Michelini

O que as pessoas não sabem sobre a Stephanie Michelini?

Eu estou solteira, você já sabe (risos). Estudei História, e ainda sou uma mulher apaixonada. Escuto muita música, tenho milhares de CDs, inclusive de música brasileira. Eu amo Soul Music e sou uma grande fã de Diana Ross. Acho que ninguém havia me feito perguntas tão relevantes e interessantes. Me diverti respondendo, me senti à vontade. Geralmente sou bastante reservada.

Stéphanie Michelini protagonizou Lado Selvagem
Acervo pessoal Stephanie Michelini

Para acompanhar Stéphanie Michelini no Instagram.




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