Em maio de 2018, um acidente trágico mudou para sempre a vida do jovem Brendo Martins, de 24 anos, natural de Salto, interior de São Paulo. A caminho do trabalho, como fazia diariamente, um carro em alta velocidade atingiu em a moto que Brendo pilotava, arremessando-o a metros de distância contra um muro. O acidente foi tão violento que a placa do automóvel ficou presa no que restou da moto e Brendo esteve entre a vida e a morte durante alguns meses.
Ele sobreviveu, mas perdeu os movimentos das pernas devido às lesões na coluna. A paraplegia representou um novo começo na vida de Brendo, que teve que reconquistar a autoestima e começar a ver a vida sob um outro ponto de vista.
Dois anos após o acidente, ele se sente à vontade para falar sobre qualquer assunto, inclusive sobre como é ser um gay cadeirante em um meio que ainda valoriza muito a imagem externa.

Em maio de 2018, você sofreu um grave acidente que o deixou paraplégico, poderia contar como ocorreu esse acidente? É verdade que o responsável fugiu sem oferecer ajuda a você?
Em 2018, exatamente dia 11 de maio, a caminho do trabalho, tive o acidente que me levou a pré-morte. Cheguei ao hospital com 10% de vida. Fiquei em coma 13 dias e aproximadamente três meses internado sem consciência nenhuma. Porém, não lembro nada sobre o acidente e o hospital. Sei apenas do que as pessoas informaram e do que algumas documentações mencionavam. Sim, o moço efetuou o acidente e não prestou socorro, mas o destino é tão incrível que a placa do carro dele ficou em minha moto. Ao efetuar a busca, descobriu que ele morava na vizinhança, na rua onde eu estudei tanto quando infância, juventude e curso técnico. Lembrando que o acidente foi na cidade vizinha, Itu, interior de São Paulo.

Como é ser gay e cadeirante? Sofre muito preconceito no meio LGBT+?
Acredito que por ser cadeirante, hoje em dia, as pessoas já nos colocam como seres inferiores, devido não sermos tão visíveis. Porém, não compreendem que as ruas, locais, trabalhos não têm acesso adequado. Ser cadeirante gay é enfrentar dois tipos de preconceito. No próprio meio PCD (pessoa com deficiência) somos afastados, não temos lugar de fala. No mundo LGBTQIA+, a coisa começa a ser mais tensa, pois nos olham muito com estereótipos, condições financeiras e lugares que impossibilita eles irem. Muitos são ligados ao órgão genital e não compreendem como funciona o sexo dos cadeirantes. Acham que cadeirante é impotente ou que não ficamos eretos (sinto pena). Nos colocam como as últimas opções e acham que ninguém nos quer. Se não trabalhamos autoestima, muitos entram em depressão.
Na época do acidente, você estava namorando. Ele não segurou a barra naquele momento?
Não, ele segurou a barra até demais, coisa que nunca irei encontrar em outra pessoa. Foi uma pessoa essencial em minha vida. Ele completamente cuidou de mim por três meses no hospital e soube gerenciar bem a situação. Porém, com tudo que passou, o mesmo perdeu o desejo sexual por mim. Mas hoje eu compreendo e também perderia. Não era momento disso em minha recuperação, pois não soube compreender.

E vocês são amigos até hoje né?
Sim, somos amigos, tudo que ele precisar estou disposto a passar com ele. Porém, afastamos um pouco devido ao tempo e local onde mora. Mas sua família é uma família para mim e sempre será.
Atualmente você está namorando?
Sim, hoje possuo um relacionamento, vai fazer 11 meses. Não vejo a hora de chegar um ano de namoro. Conheci ele pelo Hornet, um aplicativo de namoro onde frequentei por uma semana, mas foi o tempo suficiente para conhecer uma pessoa incrível que soube compreender a questão da paraplegia e querer enfrentar a vida comigo. Ele é incrível!
E o que você acha dos apps de paquera? Muitos gays dizem que eles parecem um açougue de “carne”(corpos) em exposição.
Acredito que isso é muito questão de caráter. Sim, muitos estão lá para efetuar o sexo casual mais rápido e descartável. Porém, temos que compreender que se um não quer, dois não brigam. Não adianta falar que parece ser açougue e ser uma carne para um banquete rápido e fácil.

Falando um pouco sobre família, você teve uma passagem bastante triste com o seu pai que era dependente químico, né?
Não, nunca sofri por isso, já que o mesmo não tinha um ligamento muito forte comigo. Foi um pequeno momento de tristeza. Porém, minha mãe e a minha família materna me deram todos os apoios que preciso. Já até mesmo tentei ajudar-lo a sair desta vida, mas a dependência química era muito forte. A separação do meu pai e da minha mãe foi quando tive dois anos, passei a infância sem o mesmo.
Você tinha um bom relacionamento tanto com o seu pai como também com a sua madrasta, que infelizmente também se infectou né? (O pai de Brendo contraiu o vírus HIV através do uso de drogas injetáveis).
Sim, sempre tive relacionamento bons com eles, nunca vejo como prejudicial. A cada dois ou um ano eles apareciam e, claro, quando estavam sãos e com condições mentais boas. Eles eram fantásticos como pessoas, mas a droga em si que foi o prejudicial de ambos. Ele foi a primeira pessoa a quem contei para família que eu era gay, o mesmo compreendeu e respeito. Referente ao HIV, é algo complicado. É falta de conhecimento para muitos até hoje. No meio gay quando isso ocorre com alguma pessoa ela é afastada, se torna sozinha – quando não chega a um suicídio.
Seu pai morreu quando você tinha 18 anos, na sua opinião como o seu pai teria reagido ao seu acidente?
Sinceramente eu não imagino, porém, no passado, acredito que em 2009, ele cuidou do filho da minha madrasta do jeito que pode, que também se tornou cadeirante aos 20 anos devido a um acidente automobilístico. É um enigma intrigante até hoje para mim. Porém, não tenho tanto vínculo com o mesmo, após acidente vi ele apenas quatro vezes apenas deste dois anos de lesão.

E sua mãe como é a relação com ela? Ela sempre lidou numa boa com a sua orientação sexual?
Não, nunca soube lidar com a sexualidade ficamos em torno de três anos sem se falar e morava com minha avó materna. Hoje moro com ela. Mas eu compreendo que para eles é meio complicado por terem sido criados com uma cultura antiga e machista. Tudo ainda não é flores, mas hoje ela aceita meu namorado em casa, coisa que eu nunca imaginei que aconteceria pelo preconceito antigo.
Logo após o acidente e sua recuperação em casa, você criou uma página na internet dedicada às pessoas com deficiência física, mas por que a página não foi adiante? Naquela época você me disse que o ego cresceu demais.
Tive muito acesso e muitas pessoas virtualmente ao me redor. Isso foi trazendo uma autoestima elevada, efetuando também o fim o meu relacionamento com o ego inflado. Mas foi importante para mim, pois consegui ajudar muitas pessoas, isso nutriu meu coração no começo da lesão, espero um dia voltar.

No mundo dos fetiches, um deles chama-se devotee, que se refere a pessoas que se sentem atraídas por deficiente físicos. Como foi a sua experiência com os devotees?
No começo eu achei meio diferente, pois pensava que eles tinham atração pela cadeira. Mas não, eles sentem atração pelas pessoas amputadas, cadeirantes, entre outros. Muitos têm atração pelo pé, alguns pedem fotos eu mando, pois não acho prejudicial; é um fetiche diferente, mas quem não tem?
E como é a vida sexual de um gay cadeirante? Muitas pessoas que acham que todo cadeirante gay só pode ser passivo, é isso?
Olha, eu poderia colocar como mistério, que é mais gostoso para que as pessoas tenham curiosidade de experimentar. Mas posso lhe dizer que tem métodos que fazem funcionar muito bem e muitos cadeirantes gays com quem já conversei são ativos.

Eu noto que hoje você superou todas as dificuldades e obstáculos do passado, vive sorridente, grava vídeos cantando, não tem barreiras em falar sobre qualquer assunto, enfim… Como foi esse processo de superação? O que te fez dar a volta por cima?
Não acredito que seja superação, acredito que seja necessidade de viver e compreender que o mundo possui mil possibilidades de vivência. O que me ajuda, desde que compreendi a minha sexualidade, é a frase da Clarice Lispector: “Eu não me limito, eu não sou cruel comigo”. Isso me faz compreender que temos sempre o que desenvolver e melhorar.
Como o Brendo se sente hoje?
Hoje me sinto mais realizado como pessoa, não procuro mais a perfeição. Mas tenho alguns pensamentos prejudiciais, porém momentâneos, passam rápido.
Qual é o seu sonho?
Olha, como meu apelido é Desnecessário, pois não consigo filtrar as coisas e mentir pequenas coisas boas, vou lhe falar a verdade. Meu sonho sempre foi e será querer ajudar as pessoas e ser apresentador de algo que passa informações para um público rejeitado pela sociedade.
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