No Brasil existem cerca de 47 mil crianças e adolescentes em situação de acolhimento, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nove mil e quinhentas crianças estão no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), porém apenas 5 mil estão, efetivamente, disponíveis para adoção.

Desde 2016, que os irmãos Allan e Davi, de 13 e 6 anos de idade respectivamente, não fazem mais parte dessa estimativa. Eles ganharam uma nova família, um novo lar e dois pais – os arquitetos Rafael Escrivão (32 anos) e Luciano Stu (31).
Eles estão juntos há 11 anos e meio, porém casados desde 2014, o jovem casal de São Paulo começou a cogitar a ideia da adoção após 5 anos de relacionamento.
O instinto paterno aflorou em Rafael ainda na adolescência “aos 14 anos, vi nascer meu primo temporão que viria a ser meu afilhado. Acompanhei bem de perto toda a gestação, nascimento e desenvolvimento, isso me deixou muito ansioso com o meu momento de paternidade”.
Os medos e ansiedades fizeram parte da vida do casal paulistano nos momentos que antecederam o processo de adoção, aliás um sistema bastante burocrático mas necessário, e que para o casal foi rápido, pois uma vez que eles já haviam cumprido todos os trâmites exigidos, e estavam na lista de espera para adoção, levou apenas 3 meses até receberem a tão esperada ligação que mudaria os rumos de suas vidas para sempre.

O processo de adoção no Brasil, que não tem distinção acerca da orientação sexual dos pais, costuma ser longo e exigente. Uma lista de documentos deve ser entregues no Fórum mais próximo da residência do interessado, após isso, é necessário participar de um curso ministrado pelos próprios técnicos (assistente sociais e psicólogos) que trabalham no Fórum.
Paralelo a isso, também estão incluídas diversas entrevistas e visitas a casa do possível adotante. A seguir, um juiz defere ou não a habilitação, após o deferimento, o nome dos interessados segue para a lista de espera de adoção, e assim ficam no aguardo do esperado telefonema, que no caso de Rafael e Luciano levou apenas 3 meses.
Rafael ressalta que o perfil da criança é apresentado em detalhe e, caso a caso, o Fórum determina como se dará essa aproximação entre o adotante e a criança. Luciano se recorda que no caso deles, foram 30 dias de visitas diárias, passeios, até que finalmente os 2 irmãos viessem em definitivo para o novo lar, para a nova família.
“Ainda que crianças, eles também adotaram a gente – como pais” filosofa Rafael.
Na época que protocolaram o pedido de adoção, ele criou o blog Dois Pais, como uma espécie de diário para aquele momento “novo” que estava por vir, não demorou muito e Dois Pais se tornou popular, recebendo mensagens de casais gays que também tinham as mesmas intenções, dúvidas e medos a respeito da adoção.
Duas crianças
A princípio, a ideia seria apenas adotar 1 criança , na verdade um menino, porém ambos foram amadurecendo a ideia que já haviam cogitado antes, de terem dois meninos, e como eles já tinham as condições necessárias para isso, a ideia foi levada adiante, mesmo mãe do Rafael achando uma loucura essa intenção.
“Confesso que quando contei à minha mãe que haviam me ligado e que eu iria conhecer dois irmãos, ela me chamou de louco. Mas hoje olho para trás e tenho a plena certeza de que tudo foi bem mais fácil do que seria se tivéssemos adotado uma criança e, tempos depois, outra. Eles têm um vínculo impressionante, isso trouxe muita segurança e confiabilidade a todo o processo de adaptação – deles e nosso à essa nossa realidade.”

Uma das dúvidas mais comuns é com relação a esse processo de escolha, diante de tantas crianças a espera de um lar, Rafael esclarece “o próprio Fórum faz esse trabalho de ‘match’ entre famílias interessadas e habilitadas de um lado e crianças aptas e prontas à adoção de outro.”
Dessa forma, os 2 irmãos foram as primeiras crianças apresentadas ao casal baseado no perfil que desejavam “Tínhamos ideia do que queríamos – dois meninos, um em torno de 3 anos e outro até 6 anos. No nosso caso o Fórum teve o bom senso de nos consultar, ainda que o mais velho passava da idade que tínhamos selecionado. Ainda bem!”
Meus dois pais
A adaptação à nova família foi rápida, Allan e Davi estavam preparados para a adoção, e o fato de serem irmãos consanguíneos e muito ligados também ajudou nesse processo de adaptação ao novo lar. Entretanto para os pais, não foi tão tranquilo assim, do dia pra noite o jovem casal gay se viu com muitas responsabilidades e trabalho, Rafael inclusive lembra como foi esse período “Em seis meses que tirei licença (do trabalho) para cuidar deles emagreci 12kg. Era muita correria!”
A família havia aumentado, assim como os desafios também, a paternidade na vida do casal fez com que eles reagissem melhor com algumas inquietações e temores que eles tinham no passado, Rafael se recorda:
“A paternidade me tirou muitos medos: o primeiro de arriscar e acreditar que mudar pode ser ótimo. Mudei completamente de área de trabalho e foi ótimo, não teria tido coragem sem o gatilho dos meninos. Perdi também o medo de qualquer outra coisa, a timidez; encaro tudo de frente e peito erguido – pois sei que agindo assim, é também a vida deles que eu ajudo a resolver.”
Preconceito Racial
A escola pode se revelar às vezes como um ambiente hostil, com situações envolvendo bullying ou mesmo agressões verbais. Indagados sobre isso, se temiam que os filhos pudessem sofrer algum tipo de preconceito devido a orientação sexual dos pais, Rafael argumenta que felizmente isso não aconteceu mas que havia pensado sobre isso antes da adoção.
“Tinha muito receio antes da adoção por conta de preconceitos diversos que poderiam vir a acontecer: pelo fato de terem morado em abrigo, pelo fato de terem dois pais ou pela diferença no tom da pele deles e nossas. Por conta disso em casa os assuntos são sempre muito abertos, falamos sobre tudo e preparamos para tudo. Nunca tivemos qualquer tipo de problema com o fato de terem dois pais ou terem sido adotados – são super maduros em relação à essas questões. Tivemos sim, quase e por duas vezes, problemas por racismo, que rapidamente percebi e nos afastamos antes mesmo que eles percebessem o movimento estranho.”

Felizes com a família que conquistaram, Rafael e Luciano não deixam de expressar como é bom de ser pai “é sim muito trabalho e responsabilidade e noites mal dormidas de preocupação. Mas aí, acordar e ver aquele sorrisão, buscar na escola e ser recebido com um abraço forte… não tem preço! é delicioso ter alguém pra cuidar e alguém que se preocupe contigo de fato, que está sempre perto. Os meninos são muito carinhosos, pra mim isso é demais, sou canceriano bem típico”.
A paternidade deu inspiração a Rafael, e ele logo percebeu que tinha assuntos suficientes para escrever um livro, e assim surgiu Dois Pais de Dois. Na obra, ele relata como foi a descoberta da própria sexualidade ainda criança, o relacionamento com a família, a relação longeva com Luciano, e por fim a adoção, desde o começo quando era apenas um sonho até se tornar realidade com os meninos vivendo ao lado dos dois pais.
O livro também visa mostrar nas próprias palavras de Rafael “que não é esse bicho se assumir, viver uma vida normal tendo um relacionamento gay, pensar em ter filhos e superar um bando de desafios, ainda que existam haters no caminho.”
E por falar em haters, ele afirma que ataques ocorrem esporadicamente nas redes sociais, “aparecem comentários que são ignorados”, mas que de modo geral as pessoas são carinhosas com o casal.
Em 2014, quando se casaram no papel, Rafael e Luciano leram uma carta aos convidados onde mencionaram o desejo de se tornarem pais – à época, eles já haviam escolhido os nomes dos futuros filhos, que se chamariam Cadu e Mathias, mas quis o destino que eles se chamassem Allan e Davi.
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[…] 2Rafael Escrivão e Luciano Stu (25/05/2020) […]