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Onze anos após sua estreia nos cinemas, “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” será adaptado para os quadrinhos em uma edição com mais de 200 páginas, roteirizada por Daniel Ribeiro e ilustrada por Bruno Freire.

A graphic novel, que preserva a essência do longa original enquanto propõe uma nova leitura visual da história, será publicada em maio de 2026 pelo selo Seguinte, da Companhia das Letras.

'Hoje eu quero voltar sozinho' ganha versão em HQ com roteiro de Daniel Ribeiro e arte de Bruno Freire - Divulgação
‘Hoje eu quero voltar sozinho’ ganha versão em HQ – Divulgação

A narrativa acompanha Leonardo, um adolescente cego em busca de autonomia, que vive o início de uma relação afetiva com Gabriel, aluno novo em sua escola. Com temas como sexualidade, juventude, deficiência e pertencimento, o filme se tornou referência no cinema brasileiro por abordar afetos e vulnerabilidades com espontaneidade emocional.

'Hoje eu quero voltar sozinho' ganha versão em HQ com roteiro de Daniel Ribeiro e arte de Bruno Freire - Divulgação
‘Hoje eu quero voltar sozinho’ ganha versão em HQ – Divulgação
'Hoje eu quero voltar sozinho' ganha versão em HQ com roteiro de Daniel Ribeiro e arte de Bruno Freire - Divulgação
‘Hoje eu quero voltar sozinho’ ganha versão em HQ – Divulgação

Em entrevista ao Gay Blog BR, Daniel Ribeiro e Bruno Freire comentam o processo de adaptação, os desafios de transpor uma narrativa consagrada do audiovisual para o universo gráfico e como a HQ pode dialogar com as novas gerações LGBTQ em um contexto político e cultural profundamente alterado desde 2014.

Confira a entrevista na íntegra:

Daniel Ribeiro - Foto: Reprodução/@barakshramaphotography
Daniel Ribeiro – Foto: Reprodução/@barakshramaphotography

A HQ abre espaço para expandir o universo da história. Há personagens, cenas ou subtramas que você sentiu vontade de explorar agora, mas que não cabiam no filme?

Daniel Ribeiro: O mais legal de ter feito essa HQ, adaptando uma história que já existe e que tantas pessoas já gostam, foi poder contar com outro olhar na parte visual — no caso, o trabalho do Bruno Freire. A história em si continua sendo basicamente a mesma do filme, seguimos o mesmo roteiro, mas o fato de ter outra pessoa interpretando essas cenas e traduzindo tudo em imagens traz uma perspectiva totalmente nova. Acho que essa é a grande diferença da HQ: manter a essência do filme, mas apresentar um novo olhar por meio da ilustração.

Ao revisitar Leonardo e Gabriel mais de uma década depois, o que mudou na sua relação com esses personagens?

Daniel Ribeiro: Desde quando eu fiz o curta e depois o longa, uma das coisas que mais me deixou feliz foi perceber que pessoas de idades completamente diferentes se identificavam com a história. Desde adolescentes que estavam vivendo situações parecidas naquele momento até pessoas mais velhas que já tinham passado por isso há muitos anos, todo mundo encontrava algo do próprio primeiro amor no filme. Isso sempre reforçou para mim como essa experiência é universal.

Agora, mais de dez anos depois do lançamento, revisitando a história, revendo o filme e o roteiro, eu ainda sinto que ela continua muito atual. Muitas pessoas que eram crianças na época acabaram descobrindo o filme ao longo desses anos. E, mesmo que as gerações mudem e que a forma como a gente se comunica e se relaciona também mude, no fim das contas, a descoberta do primeiro amor continua sendo uma experiência profundamente humana e universal.

Como você e o ilustrador Bruno Freire dialogaram para representar visualmente a percepção de mundo de um protagonista cego dentro da linguagem gráfica?

Daniel Ribeiro: Conversamos bastante sobre como representar, na HQ, o universo de uma pessoa com deficiência visual. Muitas das soluções nasceram do próprio roteiro e do modo como isso já estava trabalhado no filme. Existem cenas específicas, como a do sonho ou aquela em que o Leo sofre bullying e não percebe os meninos ao redor, que no filme são construídas visualmente para criar uma tensão particular. A nossa preocupação foi justamente traduzir esse mesmo impacto para a linguagem da HQ, usando os recursos próprios da ilustração e do papel. E eu acho que conseguimos fazer uma adaptação muito legal, que funcionou super bem.

A adaptação chega em um momento político e cultural muito distinto daquele de 2014. Que tipo de leitura você acredita que a HQ poderá despertar nas novas gerações LGBTQ?

Daniel Ribeiro: Muita coisa mudou desde que o filme foi lançado, tanto para melhor quanto para pior. No campo político, infelizmente, tivemos alguns retrocessos. Mas, justamente por causa desse movimento para trás, houve uma reação muito forte do nosso lado, da comunidade LGBT e do campo progressista, no sentido de reafirmar as nossas conquistas.

Mesmo que, politicamente ou em termos de legislação, a gente não tenha avançado tanto quanto gostaria, culturalmente seguimos caminhando para frente. A arte, a cultura e a própria sociedade continuam contando novas histórias, dando espaço para personagens que antes quase não apareciam. Então, apesar de um certo retrocesso político, acredito que culturalmente nós avançamos bastante.

A HQ poderá, eventualmente, ser usada em escolas ou espaços formativos? Há intenção de torná-la também um instrumento pedagógico sobre diversidade, deficiência e juventude?

Daniel Ribeiro: Tanto o curta quanto o longa-metragem sempre foram muito utilizados em escolas para promover debates sobre preconceito, tolerância e homofobia. Ao longo desses últimos 15 anos, desde o lançamento do curta, recebi muitas mensagens de professores e estudantes contando como as obras foram usadas justamente para abrir esse diálogo.

E eu acredito que a HQ mantém muito bem essa função que os filmes tiveram. A história, no formato de livro, também funciona super bem dentro do contexto escolar e pode ser usada como instrumento para estimular conversas importantes sobre tolerância e respeito.

Você vislumbra a possibilidade de transformar outros roteiros seus, inclusive inéditos, em histórias em quadrinhos?

Daniel Ribeiro: Eu adoraria transformar outros roteiros em HQ. Mas é um processo longo, que demanda tempo e dedicação, e no momento estou envolvido em vários projetos ao mesmo tempo. Por isso, infelizmente, agora não consigo desenvolver outras adaptações. Mas, quem sabe no futuro?

Bruno Freiro - Reprodução/Instagram
Bruno Freire – Reprodução/Instagram

Como foi o processo de traduzir para imagens uma narrativa já consagrada no cinema, respeitando sua essência mas também trazendo sua própria identidade artística?

Bruno Freire: Em geral, eu evitei ficar reassistindo o filme durante os rascunhos, para a minha imaginação correr mais solta. Fora do contexto escolar, também criei muitos figurinos para os personagens sem me ater muito ao que foi feito antes, e me inspirei muito na minha própria adolescência e no que os jovens vestem hoje. A paleta de cores, porém, é completamente inspirada na paleta do filme. Eu diria que ela nasceu a partir do azul-esverdeado (ou verde-azulado?) da gola dos uniformes.

Você teve liberdade para propor mudanças visuais ou novas cenas na HQ, ou seguiu um roteiro fechado já entregue pelo Daniel Ribeiro?

Bruno Freire: O Daniel escreveu o roteiro com marcações de páginas e quadros, e isso foi especialmente importante para termos noção do tamanho que ia ficar. Mas ele sempre me deu total liberdade de mexer em tudo! Teve cenas em que aumentei ou reduzi a quantidade de quadros, ou quadros que transformei em páginas inteiras… Até no texto eu mexi aqui e ali, mas, na maioria das vezes, mais por questões de ritmo e diagramação mesmo. Não cheguei a sugerir novas cenas inteiras, mas vários pequenos momentos.

A representação da deficiência visual de Leo exige cuidados específicos na narrativa gráfica. Quais foram os desafios de expressar, por meio do desenho, a subjetividade de um personagem cego?

Bruno Freire: Uma coisa que eu dei muita atenção o tempo todo foi à direção do olhar do Leo. É normal ele virar a cabeça um pouco na direção de alguém que está falando com ele, mas o olho dele nunca está voltado diretamente para a pessoa. Além disso, também busquei enfatizar bastante outros sentidos, como tato, olfato e audição, já que é assim que ele percebe o mundo. As cenas mais íntimas do Leo, quando ele está sozinho, foram onde eu mais exercitei esses aspectos.




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