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Ser jovem, bonito e desejado não são garantias de felicidade plena – longe disso. A revista cientifica Pediatrics publicou, neste ano, um número assustador: 62,5% da população LGBTQIA+ já pensaram em cometer suicídio e têm seis vezes mais chance de tirar a vida em relação a outros públicos. No Brasil, um relatório do Observatório das Mortes Violentas da população LGBTQIA+ mostra que, de janeiro a agosto de 2021, das 237 mortes registradas dentro da comunidade, 13 foram decorrentes de suicídio – o número é subestimado, pois nem todos casos chegam a ser registrados e monitorados.

Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

Esses números ganham vida em rostos conhecidos, às vezes de quem menos se espera e que sofre silenciosamente. Samuel Decker é um deles. O nome famoso no pornô é, na verdade, o alter ego de Deivid Samuel Hodecker, um catarinense de 23 anos, gigante de 1,90 de altura, 100kg, que resolveu falar sobre a vida, sobre saúde mental e sobre aqueles momentos em que podem ser decisivos – e que, por vezes, não há um caminho de volta.

Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

Em uma emocionante conversa com a coluna, Sam relembra a depressão que quase lhe tirou a vida, fala sobre a objetificação de corpos no pornô e, principalmente, sobre a oportunidade de estar bem, vivo e do seu desejo de levantar a bandeira da saúde mental, dentro e fora da comunidade.

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Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

Na balança do mercado pornô nacional, o que você acha que conta mais? Beleza, performance em cena ou atributos físicos?

Eu acho que é um pouco dos três. Sobre a beleza, ainda estou aprendendo sobre a minha própria. Sempre tive problemas de autoestima e complexo de inferioridade. Nem sempre me achei bonito. Agora que tenho aprendido a me amar como sou. A beleza é um fator, um dos mais importantes talvez, mas tem que conciliar com a performance. Não adianta ser mais um rostinho bonito. Você pode ser um cara bonito, com boa performance e passivo, então uma boa bunda também vale. O objetivo é fazer com que o público não enjoe de sua cena e busque sempre inovar. Para o ativo, é óbvio que o atributo físico importa mais, o tamanho, etc. Nem todo mundo tem pênis grande, mas a galera tem tesão nisso.

Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

Você acha que a indústria pornô gay objetifica a figura masculina? Lacan dizia que o desejo vem dessa objetificação. Tá tudo bem?

Sim, o pornô objetifica nossos corpos e o que você deve fazer com ele. Você tem que atender o que seu público pede. E isso não está tudo bem pra mim. Não gosto de me sentir um objeto e, às vezes, percebo isso, que o público não se importa como estou. Eu não sou sexualmente muito ativo, não saio por aí transando o tempo todo. Acho até que não combino com a função. Muitas pessoas não se importam em serem objetificadas. Faz parte do trabalho, eu sei, entendo isso, mas é algo que não me deixa confortável. Sou um cara muito sentimental. As pessoas acham que faço pornô vivo sexo o tempo todo, mas é justamente o contrário: eu não curto mandar nudes, ficar falando de sexo por aí, transar com qualquer um, sem conexão. Eu não sou assim. Sou oposto do que a indústria pornô pede.

Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

Ainda nessa ideia de Lacan, o amor é o posto da objetificação. Quando a gente trabalha com nossos corpos, há espaço para relacionamentos dentro e fora da indústria? Como é o amor em tempos de pornô?

Eu só tive um namoro e percebi que é um pouco mais difícil ter um relacionamento quando se trabalha como pornô. Aqui entra a objetificação – muitos gays têm fetiche em você, tesão, mas não vão namorar contigo porque você faz pornô. Há preconceito nisso. Se eu encontrasse um namorado, e valesse a pena, largaria o pornô por ele. É uma coisa muito pessoal e muito complexa também. Tem gente que encontra um namorado no meio e faz pornô juntos. E está tudo bem. As pessoas acham que porque você fez pornô você não vale nada – e é estranho, porque quem faz pornô faz o que todo mundo faz: sexo. A diferença é que a gente cobra e se exibe.

Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

Falando nisso, como está seu coração?

Eu tive um namoro que não foi muito bom. Fiquei com trauma de me sentir apaixonado. Estou sem crush, estou solteiro. Não sinto vontade de namorar no momento, mas pode ser que eu me apaixone, afinal ninguém manda no amor. Não tenho me aberto para conhecer alguém, sinto que não estou pronto. Tenho vontade de ter filhos, casar, mas no momento não tenho expectativas a respeito. Não quero agora. Tem gente que vem falar comigo, me convida pra sair, mas eu estou fechado quanto a isso. Ultimamente tenho apenas ido a São Paulo para gravar conteúdo para meu Onlyfans e é isso. Não passa disso, talvez uma amizade, mas nada além disso.

Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal
Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

Você fala abertamente sobre saúde mental nas suas redes sociais. Que mensagem há por trás de suas postagens?

Eu tive uma depressão muito forte em 2019. Quando chega ‘Setembro Amarelo’, todos ficam sensíveis, disponíveis, engajados em uma campanha linda e maravilhosa. Naquele ano, eu fiquei mal exatamente no mês de setembro. Essas mesmas pessoas engajadas diziam pra mim que era drama, que eu deveria parar de postar as coisas que eu passava na internet, porque estava com energia baixa. A verdade é que a maior ajuda vem de quem já passou pela depressão. Quando você passa por uma depressão, você não é nunca mais a mesma pessoa. Eu mesmo não sou mais a mesma pessoa. Eu gosto de falar sobre isso porque sou muito transparente. Meu mundo não é da Nárnia, não vivo um conto de fadas. Eu posto quando estou bem e posto quando estou triste. Tem gente que deixa de me seguir por isso. E tudo bem. Eu vivo pra mim, não para os outros.

Por que devemos falar mais sobre saúde mental?

Porque o tempo todo alguém está se matando por aí e toda hora alguém está mal. A gente precisa falar sobre saúde mental exatamente por isso, para mostrar que essas pessoas não estão sozinhas. E eu gostaria que alguém tivesse falado comigo na época que fiquei mal.

O suícidio ainda é um tabu em nossa sociedade e, ainda sim, você outro dia compartilhou que tentou pôr fim na sua vida. Não quero cruzar uma linha aqui, mas como falar de suicídio sendo responsável e sensível ao mesmo tempo?

Vou contar essa história. Meu namoro começou como um mar de rosas e com frases de mel. Esfriou com o tempo e eu não entendi o motivo. Ele passou a ficar estranho comigo e eu não entendia, afinal era meu primeiro namoro. As crises de ansiedade chegaram porque eu não botava pra fora o que sentia. Essas crises viraram pânico. Passei a chorar por horas. Meu namorado dizia que era drama e me deixava sozinho no quarto dele e ia jogar League of Legends com os amigos. Ele passava mais tempo no computador do que comigo. Aos finais de semana, ele dizia que queria ficar em casa, mas saía com os amigos. Passei a não querer mais comer, perdi a vontade de treinar, de cuidar de mim. Eu corria no meu namoro, enquanto ele estava parado. Ele dizia que eu devia me amar mais, não criar expectativa, e essas frases só faziam meu medo aumentar. Fiquei viciado em calmantes, dormia por dias e odiava a sensação de estar acordado, porque, acordado, eu me sentia mal.

Era como uma prisão dentro desses sentimentos, imagino…

Sim, exato. E meu então namorado não pedia para terminar e eu não conseguia colocar um fim na história. Aí os jogos psicológicos começaram. As famílias então se reuniram para ajudar. Uma vez, desliguei meu celular por uma semana e ele nem mandou mensagem. Por causa de toda essa situação, eu fui demitido do trabalho. Eu consegui botar um ponto final e ele disse que só não tinha terminado ainda por pena. Eu já sentia que ele não me amava mais, mas o comportamento dele me adoeceu. Duas semanas depois descobri que ele tinha um caso com meu médico, um mês depois ele namorava outro cara. No fim das contas, eu descobri que eu não estava apaixonado por ele, mas pela família dele, que era mais aberta do que a minha.

Samuel Decker - Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

O que te faz estar aqui hoje conversando com a gente?

É uma forma interessante de as pessoas me conhecerem mais e perceberem que não sou um rostinho bonito apenas, ou um cara que faz pornô e só. Eu gosto de conversar. Estou me reinventando. Não sou a mesma pessoa de antes da depressão. Eu tentei tirar minha vida, em meio a uma crise muito forte de borderline e síndrome do pânico. Eu me sentia um lixo e tentei tirar minha vida. Conseguiram me salvar. Só voltei a me sentir bem no final do ano de 2020. Então, estar aqui conversando hoje, abertamente sobre isso, é uma forma de ajudar outras pessoas. Elas não precisam estar sozinhas.

Por quê o pornô?

Em 2018, aceitei sair com um cara por dinheiro. Ele trabalhava no RH de uma empresa e conseguiu um emprego pra mim. Comecei a fazer programas para garantir um extra. Minha família descobriu e não me julgou. Parei de fazer programas. No início de 2021, tive um infarto, perdi a memória e fiquei pendurado pelo INSS. Não tinha como trabalhar, então pensei em criar um perfil no Onlyfans. A ideia do pornô surgiu daí. Eu mesmo entrei em contato com a produtora (Meninos Online) e eles toparam na hora. Fui muito elogiado por eles, nem acreditaram que era a primeira vez que eu filmava. O fato é que eu já tinha trabalhado como cinegrafista, então já entendia sobre ângulos e esse universo de produção. Eu esqueço que estou sendo gravado. O tesão na cena é bem real. Depois desse primeiro trabalho, as coisas passaram a acontecer muito rapidamente e a repercussão foi muito positiva.

Quais são seus planos na indústria? Pensa em ir pra fora?

Meus planos não são a longo prazo. Não vou fazer pornô pelo resto da vida. Tenho outros planos. Já comecei três faculdades e parei. Penso bastante em ir pra fora, nem que seja pra gravar também. Eu acho que tenho chances lá. Quero planejar tudo certinho, estar com a cabeça no lugar. Não adianta ir sem estar bem instruído. Não sei o que me aguarda pela frente, minha família sabe da minha história e é tranquila em relação a ela. A verdade é que ganho mais dinheiro agora do que quando trabalhava com carteira assinada.

 As suas cenas são bareback. Acha que os atores pornôs precisam levantar mais a bandeira da proteção, seja ela qual for?

Eu sempre questiono se os atores usam PreP. Todos dizem que sim. É meio que uma resposta automática, mas muitas pessoas ainda têm preconceito com isso, de levantar essa bandeira. Os atores deveriam falar mais sobre. Eu cuido da minha saúde sexual. O HIV é uma realidade e precisamos falar disso.

Com quem mais gostou de filmar?

O Rico Marlon foi muito gentil comigo, passou meu contato para outros caras, me deu um pouco mais de conhecimento. O Blessed Boy foi um anjo também. Não foi só gravação, teve diálogo, conversa, hoje temos uma amizade. Eu escolheria esses dois. Mas é bom lembrar que não gravei com muita gente ainda. Tenho certeza que existem muitos atores e profissionais gentis como eles por aí.

Samuel Decker e Blessed Boy
Samuel Decker e Blessed Boy – Arquivo Pessoal

Queria que você deixasse um trecho de sua música favorita da Sia (vi que você gosta muito dela), aquela música que mexe e fala com você.

‘É difícil eu me sentir grande, quando eu me sinto pequeno. Não quero desistir antes do milagre’. Esse trecho me ajudou bastante. Eu, no fundo, não queria desistir, ainda quero viver muitas coisas. Essa música se chama ‘Miracle’. Ela tem letras de autoajuda que conversam comigo demais. Meu amor por ela é infinito.

Tanto que está tatuado em sua pele…

Exato. Fiz uma tatuagem em homenagem à Sia e todos os dias olho pra ela e lembro que não posso desistir, que vou continuar tentando, um dia de cada vez. A vida é uma eterna luta. Hoje estou bem, não tomo mais medicação para depressão. O Samuel do futuro vai ter terminado a faculdade, ter perdido o medo de dirigir (tenho pânico de carro desde pequeno), estar um pouco mais conhecido, não exatamente no pornô,  mas para usar minha voz contra a depressão, contra a borderline, contra o suicídio. Não é fácil viver com isso e quero estar lá por pessoas que passam pelo menos que passei.

Samuel Decker – Arquivo Pessoal
Samuel Decker – Arquivo Pessoal

Twitter: @SamuelDecker_
Onlyfans: @sam_decker
Instagram: @samuelhodecker




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Jornalista e historiador no forno, considera o pornô uma arte, é o louco do café e da cerveja. Brasilia, DF.

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