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Por João Salla

Fui monitor de redação e química na escola. Meu crush era o capitão do time de futebol. Um dia ele apareceu pedindo pra eu ajudá-lo a fazer uma dissertação e, enquanto eu corrigia o texto, ele esfregava o joelho dele no meu abaixo da mesa. Contatos assim era proibidos.

Durante a aula de religião (minha escola era confessional), escapamos para ir ao banheiro – lá demos um selinho e voltamos envergonhados. Os dias se passaram e ele usava uma capa de caderno plastificada pra escrever recados pra mim e apagar depois.

Num dia de competição de futebol, eu apareci na arquibancada perto do banco dos jogadores (eu tenho ranço de futebol) e ninguém entendeu o porquê. Ele disse “meu primeiro gol vai ser dedicado a você”. Naquele dia ele fez quatro gols e no primeiro veio me abraçar, ao que resultou uma reunião na diretoria.

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Mandaram cartas pros pais dizendo que estávamos fazendo atos obscenos. Minha mãe ficou horrorizada e eu fui pro castigo; a dele riu da situação, achou fofo e engraçado. Permanecemos amigos, mas dentro de um grupo de mais meninos pra disfarçar.

O nerd gordinho de óculos aqui sofria bullying pra caramba. Eu era mega desajeitado. Um dia um carinha veio me zoar na saída e ele chegou “se tocar nele eu te quebro no meio”. Eu já tava apaixonado mas não entendia nada do que eu sentia ou o que tava acontecendo.

Levei ele pra monitoria comigo: ele era muito bom em matemática. Na primeira aulinha dele, gritou com um aluno “você é burro?!”. Monitoria cancelada, não tinha jeito pra dar aula. Ficamos em salas separadas porque eu queria medicina e precisava de reforço em física. Saudade imensa.

Harry Potter era a maior febre, então líamos os livros juntos (aliás, no Pottermore ele é Grifinoria e eu Corvinal), até no intervalo. Minha mãe dizia que era livro do diabo, então eu lia escondido debaixo da mesa ou de madrugada. Fomos a várias sessões de cinema juntos.

Nossa amizade ficou forte e passou a ser permitida com mais tranquilidade: um dia ele dormiu na minha casa (“colchão na sala pra não correr risco”, segundo a mamãe). Naquela época eu sentia que tudo estava no seu devido lugar, ria com muita facilidade, amava demais.

Ele conseguiu uma bolsa de estudos pra França e eu passei em Odontologia, minha primeira faculdade. Nos separamos e eu chorava toda noite. No dia do vestibular, inclusive, me encontrei com ele. Foi nessa época que eu me assumi pra minha mãe e sofri um ano de intensa perseguição.

Da França ele foi pra Inglaterra e ficou um tempo. Perdemos contato pois nossos pais estavam preocupados com a imagem das famílias, “dois filhos gays”. Tivemos depressão ao mesmo tempo, sem saber: ele procurou psicóloga e disse que o sonho dele era “ter de volta”. Emagreci 15kg.

Me encontrei com ele morando em outra cidade, do nada. Queria abraçá-lo, dizer que o amava. Só consegui dizer um “oi” tímido e ele me chamou de “emo” (eu usava cabelo preto e franja (risos). Descobri que ele namorava uma moça muito querida. Eu ainda era virgem.

A vida foi e voltou. Larguei Odonto, passei em Medicina em três meses. Fui pra São Paulo, descobri que ele estava noivo da mesma moça: minha mãe convidou os dois para jantar comigo. Eu sentia uma dor tão forte que não sabia explicar. Me enchi de remédios e fui.

Ele dizia estar feliz, mas que demorou pra se acostumar com o relacionamento. O tratamento da depressão estava indo bem. Pela primeira vez eu chorei e pude abraçá-lo. Desejei felicidade em tudo o que ele fizesse: o amava tanto que isso era o mais importante pra mim.

A mãe dele adoeceu gravemente e ele sinalizou dificuldade. Larguei tudo e fui pra encontrá-lo. Ela passou por câncer porém teve boa recuperação: ficou um mês na minha casa. “Vocês sempre estarão juntos independente do tempo ou da situação”, ela me disse chorando. Chorei escondido.

As coisas se ajeitarem, a Medicina me engoliu. Fiz amizades intensas, estudei, sofri, engordei emagreci (engordei mais). Nunca mais amei da mesma forma. Num dia ele me ligou e quis me encontrar, vomitei de nervoso mas fui. Recebi um convite para o casamento dele com a moça.

Peregrinei de templo a templo, livro a livro, música a música pra entender o que eu sentia e como organizar isso em mim. Acredito que tive sentimentos tão diversos e fortes por um mesmo alguém que no momento era muito difícil separar e ordenar cada um.

Num evento de meditação em um templo Zen Budista, a monja me ensinou que amor incondicional não é romântico: quando você ama, quer o bem do outro independente das suas vontades e necessidades. Eu sinto isso por ele, amor incondicional. Amadureci muito.

Não vou entrar muito na parte do preconceito que sofri/sofro pela família, esta luta é minha somente. Em um ano novo conseguimos passar o réveillon juntos e bêbado ele me disse “a única coisa que a gente tem em comum agora é o passado”.

Eu sempre tive fama de pavio curto na minha família. Uma vez ele estava em casa e na mesa fazia coisas pra me irritar (com muito sucesso), como comer respirando pela boca. “Nervosinho” ele dizia e apertava meu ombro rindo. Queria aquilo de volta por muitos anos, hoje não mais.

Na fase de maior sofrimento da depressão eu estava anestesiado e não sentia nada. Uma música diz “melhor sentir dor que sentir nada” e eu sentia falta da jovialidade e despreocupação que aquela relação me trazia. Passei a ser um estranho dentro de mim. Haja medicação.

Eu me tratei e melhorei com o tempo, criei casca. Hoje em dia converso com ele quase toda semana, sinto que sem ele minha vida teria menos cor, minha infância menos alegria é meu caráter menos amor. Será?

Cortando pra hoje: atendi a mãe de um ex-paciente de 34 anos que cometeu suicídio em casa. Vivia só, morava só, não aceitavam sua sexualidade. Depressão crônica não tratada. Na semana passada, atendi um paciente em abuso de substâncias e situação de rua pois sua família não o aceita.

Quantos casos de amor não vivido, não confessado. Quantas vidas LGBTs que nunca puderam florescer ainda na sociedade… Podia ter sido eu. São muitos. Quem dos seus amigos você ouviu hoje?




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