As reuniões oferecem preparação psicossocial e jurídica para casais gays e servem para ajudar a esclarecer dúvidas e compartilhar relatos

Em 2015, quando chegaram a um encontro do Grupo de Apoio à Adoção (GAA) Rosa da Adoção, sediado na Igreja de Santa Rosa de Lima, no Parque das Rosas, o psicanalista Daniel Lage e o marido, o advogado Thiago Ferreira, estavam se sentindo como todos os casais que desejam aumentar a família desta maneira. Envolvidos em um processo composto por documentos, trâmites na Justiça, ansiedade e insegurança, sonhavam levar seu filho para casa ao mesmo tempo em que cultivavam mitos em torno da adoção e a expectativa de como seria o convívio com a criança quando ela viesse.
As reuniões nos GAAs são obrigatórias: oferecem preparação psicossocial e jurídica e servem para ajudar a esclarecer dúvidas e compartilhar relatos. Enquanto o encontro se desenrolava, Lage e Ferreira notaram que havia outro casal homossexual no grupo, o advogado Saulo Amorim e o arquiteto Renan Sanandres, e decidiram abordá-lo. Ali nasceu uma bela amizade, que, há um mês, rendeu mais um fruto: já com seus bebês no colo, as duas famílias criaram o seu próprio GAA, o Cores da Adoção, numa sala cedida pela casa de festas Lajedo, em Vargem Pequena.
— Foi engraçado porque fomos puxar assunto com o Saulo e o Renan de propósito — lembra Lage. — A adoção é um mundo solitário e desconhecido, e no grupo vimos um casal gay que parecia divertido. Foi planejado. Queríamos nos aproximar de um que tivesse um filho para conviver com o nosso. Esperamos acabar a reunião e os cercamos na porta.
Na época em que os quatro se conheceram, Amorim e Sanandres já haviam sido habilitados — termo referente à aprovação na primeira etapa no processo. Lage e Ferreira, juntos desde 2008, foram morar juntos dois anos depois, e, em 2015, casaram-se no civil. Foi quando deram entrada no processo de habilitação à adoção. O casal enfrentou todo o processo ao longo de dois anos. A primeira etapa, realizada junto à 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, foi a mais rápida, sendo concluída em cinco meses, e incluiu as reuniões. As duas seguintes, como de hábito, foram mais demoradas.
Em alguns casos, como o deles, é preciso esperar a ação de destituição do poder familiar. Antes da medida, assistentes sociais tentam reintegrar a criança à família de origem, e, se isso não for possível, aí, sim, ela é liberada para adoção. Quando alguém se interessa em levá-la para casa, precisa obter, inicialmente, a guarda provisória. Finalmente, em abril deste ano, Dom, hoje com 10 meses, foi para os braços dos novos pais. Não sem uma dose extra de emoção antes.
Um dia, o telefone tocou e Ferreira atendeu. Já era tarde, mas o número desconhecido não deixou dúvidas. Era o anúncio da chegada do filho.

— Na hora, antes de atender, pensei: “Chegou”. Atendi e a assistente social me passou as características que tinha no processo e me perguntou se queria conhecer o bebê. Falei com meu chefe e fui correndo para casa. Encontrei o Daniel e contei o que tinha acontecido. Mas a assistente social voltou a me ligar dizendo que tinha se precipitado, porque uma audiência (com a família de origem) estava marcada e a juíza estava suspendendo a indicação — lembra Ferreira.
A audiência era para dali a uma semana. Entre noites maldormidas e dias que se arrastavam, houve uma nova ligação. O bebê tinha sido liberado para adoção, e o casal conheceu Dom no dia seguinte.
— Chegamos às dez horas da noite em casa com um bebê e éramos pais. Como não sabíamos quando nosso filho chegaria, tínhamos separado um pequeno enxoval que foi do meu sobrinho e afilhado — conta Ferreira. — No dia seguinte, eu estava sozinho com meu filho, um bebê de 5 meses. Mas tinha treinado o básico com meu afilhado, hoje com 1 ano e 6 meses, e aprendido a trocar fralda e dar banho — conta Ferreira, que terá licença-paternidade de seis meses, concedida pela Souza Cruz.
Os GAAs, apontam os participantes, têm papel fundamental. Nas reuniões, os aspirantes a pais dividem experiências e sentimentos, conta Ferreira:
— Além de ser uma etapa formal, é uma grande fonte de informação e um lugar de acolhimento. O processo de adoção é muito angustiante, porque você fica grávido sem um prazo para o parto. Nas reuniões dos grupos, vemos pessoas que já adotaram seus filhos e outras no início do processo.
Lage completa:
— É comum o processo de adoção ter origem numa perda, no luto, em tentativas de gravidez frustrada e outras situações de dor. O papel do grupo de apoio é informar. Há uma fantasia em torno do processo de adoção.
Ele destaca ainda o papel do grupo em toda a jornada:
— A permanência no grupo acaba se estendendo. As pessoas fazem as reuniões obrigatórias e continuam frequentando-as por acharem importante. Todos têm dúvidas e angústias, e querem trocar conhecimento.
Ao longo dos encontros no GAA Rosa da Adoção, Amorim e Sanandres alteraram o perfil das crianças que pretendiam adotar. O casal se conheceu em 2005 e se casou no civil oito anos depois. Em 2014, foram habilitados. No início, queriam pequenos saudáveis, de até 4 anos; depois, passaram a desejar crianças de até 6 anos. Hoje, são pais de Teodoro, de 9 meses, e esperam a chance de adotar uma menina.
— Essa mudança de perfil se deu pela nossa participação no grupo de apoio. Quando chegamos, tínhamos uma ideia do que era adotar, e, ao ouvir os relatos, nós a amadurecemos — conta Amorim.

Ele e Sanandres tiveram mais tempo de organizar a casa para a chegada de Teodoro. Em 21 de fevereiro, a assistente social avisou que encontrara uma criança com o perfil desejado. No dia seguinte, o casal conheceu o bebê e já o percebeu como filho. Pelo horário, não conseguiram comparecer ao fórum para fazer liberação. O último dia a dois, então, foi de compras, conta Amorim:
— Corremos para o shopping para comprar as primeiras coisas. Não tínhamos nem berço. No dia 23, quando o pegamos, organizamos uma festinha em casa. Era o dia em que ele completava 3 meses.
Amorim também teve direito a 180 dias em casa, entre licença-paternidade e férias. O período foi de adaptação, e a família e os amigos ajudaram.
— O Renan é o irmão mais velho, e ajudou a cuidar da irmã e de quatro sobrinhos. Tive ajuda dele, da minha mãe a da minha sogra. Não tive qualquer dificuldade. Não sentia o trabalho que as pessoas dizem que cuidar de uma criança dá — conta Amorim.
O GAA Cores da Adoção tem apoio do Poder Judiciário, e, assim como os outros três grupos da região, é ligado à 1ª Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso. Uma das motivações para a criação do grupo, dizem os fundadores, foi o desejo de ampliar o número de atendimentos na região. Quando Amorim e Sanandres foram se inscrever, precisaram esperar três meses até assistirem à sua primeira reunião no Rosa da Adoção.
LUGAR DE CRIANÇA É EM FAMÍLIA
O trabalho nos GAAs é voluntário. Nem os organizadores recebem pelos encontros, nem os frequentadores pagam para participar. Os candidatos a adotar devem, obrigatoriamente, ir a quatro encontros num GAA escolhido previamente junto à Vara da Infância, da Juventude e do Idoso. As visitas devem ser agendadas pela instituição, para terem validade no processo. As pessoas que buscam informações preliminares e as que querem frequentar os encontros após a conclusão oficial desta etapa são bem-vindas e não precisam fazer agendamento.
No Rio, de maneira geral, os grupos têm espaços cedidos em igrejas e centros espíritas. O Cores da Adoção chegou à casa de festas Lajedo, já conhecida por sua atuação social em Vargem Pequena, via Sanandres, que trabalha no local.
— Nós acreditamos na adoção, e assim estamos participando da causa de uma maneira mais efetiva — diz Isabel Medeiros, uma das donas da propriedade. — Quando surgiu a oportunidade de acolher esse grupo, achamos ótimo. Somos ativos em várias instituições do entorno e costumamos ceder nosso espaço a elas.
O Grupo de Apoio à Adoção Rosa da Adoção, no Parque das Rosas, foi o precursor na região. Criado há dez anos, transformou-se em um ponto de apoio e de inspiração para os futuros pais que recebe. A ida aos encontros dos GAAs passou a ser obrigatória em 2010 e, de acordo com a coordenadora de psicologia da 1ª Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso, Érika Piedade, a medida tem contribuído para a mudança no perfil dos pretendentes à adoção, bem como para a desmistificação do processo.
— Nos grupos, começa-se a trabalhar questões como adoção tardia, inter-racial, de grupos de irmãos e de crianças com deficiência. Os grupos não têm conotação de cobrança e de fiscalização, e sim de compartilhamento de ideias e informações — salienta Érika.
A psicóloga, em exercício no Tribunal de Justiça e na Vara há 18 anos, aponta outro dado interessante. As famílias que finalizam o processo de adoção, obtendo a guarda de um filho, e optam por continuar a frequentar os GAAs, têm comportamento diferente.
— Percebemos que, quanto maior o engajamento da pessoa, maior é o suporte quando a adoção acontece. O Judiciário vem estreitando muito esse canal. Uma questão que vem sendo estudada em todo o país é a devolução de crianças. Quanto maior a possibilidade de apoio num GAA, menor é esse movimento — diz Érika.
O GAA Rosa da Adoção foi o segundo criado na cidade do Rio, tendo surgido depois do Café com Adoção, no Centro, e do Quintal da Casa de Ana, em Niterói. A psicóloga Sylvania Morani quis montar o grupo após cobrir uma licença-maternidade na 1ª Vara.
— No início, as pessoas achavam que eu levaria as crianças e elas iriam escolher uma. A adoção viveu muitos anos num limbo de preconceito — conta Sylvania, coordenadora do grupo, ao lado de Luiz Eduardo Barcellos de Abreu.
A criação do GAA Cores da Adoção foi recebida como uma conquista pela equipe do Rosa da Adoção, conta a psicóloga:
— É uma alegria imensa. O Cores nasce a partir de duas famílias que se constituíram no Rosa e abre mais esse espaço para fortalecer o movimento adotivo. Temos esse objetivo de ver cada vez menos crianças em abrigos e mais crianças com direito de viver em família.

Grupos de apoio no RIO DE JANEIRO
Interessados em se habilitar para adoção devem marcar as visitas aos GAAs numa Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso. Quem só quer informações não precisa agendar.
Cores da Adoção
Reuniões na primeira sexta-feira do mês, às 18h, exceto feriados, no Espaço Lajedo (Estrada da Boca do Mato 803, Vargem Pequena). E-mail: coresdaadocao@gmail.com.
Rosa da Adoção
Reuniões na segunda segunda-feira do mês, às 18h, exceto feriados. Grupo de apoio para pós-adoção no mesmo dia, às 20h. Igreja de Santa Rosa de Lima, no Parque das Rosas (Av. Jornalista Ricardo Marinho 301). E-mail: rosadaadocao@gmail.com.
Santuário da Adoção
Reuniões na terceira quarta-feira do mês, às 19h30m, exceto feriados, no Plenário do Prédio Cepar, na Ladeira da Freguesia 375. E-mail: santuariodaadocao@gmail.com.
Semeando Sonhos
Reuniões na segunda quinta-feira do mês, às 15h, exceto feriados, na OAB/Barra (Shopping Marapendi, Av. das Américas 3.959). Tel.: 3345-6600.
Com informações do jornal O Globo
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