É preciso compreender todos os processos pelos quais passam uma mulher quando se fala em gravidez e dar a ela voz para enunciar suas necessidades.
Para a socióloga Jacqueline Pitanguy, fatores como processos de democratização, o aumento no campo de interlocutores e propostas de movimentos sociais, são responsáveis por gerar a construção (ou reconstrução) de identidades políticas que lutam por direitos.
Entende-se um movimento feminista, por exemplo, como sendo aquele que pensa tanto questões relativas a sexualidade como as questões dos direitos reprodutivos (de interromper voluntariamente a gravidez, por exemplo) que até hoje é discussão central no que concerne ideias estruturantes da própria ética feminista. Além disso, o movimento feminista vem caminhando para um cenário político onde a mulher pode ter o direito à opção sobre a vida. Buscam atingir um espaço onde valores centrais da cidadania feminina são e serão atendidas pelo Estado, estando coerentes com princípios que não são os preceitos religiosos, econômicos e geopolíticos.
A incorporação de princípios feministas em políticas públicas de saúde representa êxito da percepção integral de saúde onde o Estado entende e absorve a sociedade civil criando um ambiente, uma relação, uma compreensão e uma escuta das necessidades específicas de cada comunidade: Colocando Planejamento Familiar como meta de Saúde para o Estado. Um claro exemplo é a criação de creches e pré-escolas que possibilitou a participação da mulher no mercado de trabalho.
Por outro lado, passa a se entender Saúde como uma ideia que pensa a saúde da mulher independente do papel de mãe. Qual a real necessidade de uma mulher? Programas como PROGRAMA de Prevenção de Gravidez de alto risco e Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde formaram ideias mas não tiveram êxito. Ideias como acesso a informação, a contracepção segura e ao tratamento da infertilidade, ao pré-natal e ao parto em condições adequadas, interrupção voluntária da gravidez, tratamento as sequelas do abortamento provocado e prevenção do câncer mamário são questionamentos levantados pelos movimentos feministas que, no fundo, visam atender as mulheres que necessitam ter o controle e regular sua fecundidade. O movimento feminista lutou, portanto, por direitos. Lutaram para que a mulher tivesse o direito de exercer uma autoridade sobre seu corpo, sendo responsável sobre sua vida sexual e reprodutiva e colocando o Estado como sendo, por sua vez, também responsável em oferecer e possibilitar meios para as mulheres chegarem a essa autoridade, aumentando sua autonomia no que concerne o assunto Saúde. Aumentou a comunicação entre profissionais, tornando o fator multidisciplinar fundamental para atender as demandas das mulheres. Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação, Ação caminham junto com a Medicina criando, portanto, a ideia e entendimento de saúde integral compreendendo as reais necessidades dos indivíduos.
Para Briena Padilha Andrade e Cristiane de Melo Aggio, em contrapartida, ainda persiste enorme violência contra a mulher, especialmente no que consiste a violência obstétrica. Elas salientam que instituições ainda oferecem atenção desumanizada, abusos de ações intervencionistas, medicalização e transformação patológica dos processos de parturição fisiológicos. Enquanto Jaqueline Pitanguy evidencia possíveis avanços gerados, em teoria, pelos movimentos feministas, na prática preceitos religiosos ainda tomam forma quando se trata de questões de parto. Pensamentos religiosos que replicam ideias bíblicas onde a mulher que “profanou”, que cometeu pecado original deverá sofrer e sentir dor, deverá ser exposta a um tipo de violência obstétrica onde deverá sentir as dores do parto como algo que é inerente a experiência da maternidade, como exemplo. O parto, na realidade, se trata de um evento onde se faz necessário cuidados hospitalares que contemplam nada mais, nada menos que apoio, acolhimento, atenção, e humanização. É aqui justamente o ponto de intersecção de ambos os textos de Pitanguy, Briena & Cristiane. Entende-se ‘humanizar’ como sendo uma assistência que tem como prioridade escutar e dar direitos a cada paciente, garantindo respeito a sua individualidade. Saúde integral é essa que compreende de onde veio cada indivíduo, sua cultura, suas necessidades, suas opiniões e demandas. Uma vez que esse lugar é oferecido, ocorre justamente uma valorização do profissional que faz isso e que presta assistência dessa forma. Segundo as autoras um “ambiente concreto” se estabelece nas instituições de saúde a partir desse entendimento. Um ambiente que “regulariza o processo de cuidar.” Ideia esta, que reforça a importância de fatores como Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação que Jaqueline Pitanguy coloca como centrais na concepção de Saúde integral e de saúde que pensa as necessidades das mulheres. Uma vez que é permitido a cada indivíduo expor suas necessidades, dando autonomia e autoridade para cada uma de suas escolhas, diminui-se a violência contra ele. Onde ele deixa de ser um indivíduo compreendido absolutamente, que deve operar sob determinadas regras e projetos políticos.
Um exemplo brilhante: Como um profissional deve agir diante do ‘sofrimento’ do outro, na hora do parto, por exemplo. Sofrimento aqui, claro, como algo altamente subjetivo. Qual o desejo recorrente entre as mulheres? De que a vivência no parto deve acontecer conforme suas perspectivas. A Medicina trabalhando em função dessa mulher e não a mulher em função de um olhar generalista da própria medicina. Nessa mudança de perspectiva, na contramão do pensamento que parece mais ‘correto’, profissionais de saúde deixam de negligenciar informações, emoções, sentimentos, percepções e direitos dessa mulher. “Portanto, respeitar a autonomia, a individualidade e a privacidade são condições imprescindíveis para que ocorra o parto humanizado.” (GONÇALVES et al., 2011) Uma luta que visa dar voz às mulheres. Onde elas possam, dentro das instituições, ter uma equilibrada relação com profissionais que detém conhecimento mas que também tem a capacidade de criar espaços de escuta e acolhimento, dando às mulheres a chance de planejar e programar o momento da chegada de seus bebês de forma segura, digna e com qualidade de assistência. Ser capaz de perceber as necessidades, reconhecendo individualidades e compreendendo contextos culturais, históricos e antropológicos determinam as formas de conhecimento no processo saúde-doença. Se faz necessária cada vez mais trabalhos de caráter integralistas que entendem quem são os indivíduos inseridos e pertencentes da sociedade, colocando como protagonista, junto aos médicos, as próprias mulheres.
Compreender todos os processos pelos quais passam uma mulher quando se fala em gravidez e dar a ela voz para enunciar suas necessidades. Torna-se cada vez mais uma ferramenta que inibe violências, silenciamentos e humilhações pelas quais passam as mulheres. Dar a possibilidade de tomada de decisão sobre suas vidas e seus corpos é um passo em direção a cidadania plena.
Referência Bibliográfica
PITANGUY, Jacqueline. O movimento internacional e nacional de saúde e direitos reprodutivos. In: GIFFIN, Karen; COSTA, Sara Hawker (Orgs.). Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1999. p. 19 – 38.
PADRILHA ANDRADE & MELO AGGIO, Briena & Cristiane. Violência obstétrica: a dor que cala Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 27 a 29 de maio de 2014 GT3 – Violência contra a Mulher e Políticas Públicas- Coord. Sandra Lourenço A. Fortuna
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