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O Poc Awards 2020 trouxe na categoria Músico Poc Brasileiro, com 16% dos votos do público, o princeso do sertanejo Gabeu como vencedor.

O GAY BLOG BR conversou com o artista, de forma bem descontraída, sobre a recepção da homenagem e os seus planos para o futuro. Entre os tópicos abordados, o cantor de “Pocnejo” falou sobre o meio sertanejo e o sentimento de ser filho de Solimões, uma das lendas do gênero musical brasileiro.

“Sempre senti uma pressão também por não ser aquele filho de sertanejo que ‘honra o pai’, e é bruto e rústico”, disse o cantor.

- BKDR -
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Reprodução/Instagram

Como reagiu quando soube que havia faturado o troféu PocAwards de Músico Poc Brasileiro? Foi algo esperado?

Eu fiquei em choque! Ainda mais sabendo que foi por voto popular. Fiquei muito muito feliz de ter sido indicado e de saber que as pessoas gostam do meu trabalho! Definitivamente, não era algo esperado e, quando o prêmio chegou, fiquei todo bobinho. Agora ele ta aqui na minha estante esperando os próximos prêmios (hahaha).

A pandemia, com certeza, pegou o setor artístico de surpresa. Muitos se viram em situações de bastante dificuldade, uma vez que o trabalho tem que ver com público e as pessoas estavam em casa. Como você lidou com esse tempo? Aproveitou pra produzir e ter ideias ou tentou descansar e não se cobrar muito pra não pirar?

No início, eu achei que seria um momento que eu aproveitaria para criar muito, compor muito e ter várias ideias. Depois de algumas semanas, eu me vi num bloqueio criativo gigantesco. Acho que toda essa situação mexeu muito com o psicológico de todo mundo. No meu caso, eu me cobrei durante um tempo, me pressionando mesmo, tive algumas crises de ansiedade intensas nesses últimos meses e agora tenho tentado equilibrar as coisas na minha vida para que eu não enlouqueça, sem pressão, sem cobrança. Como eu já tinha algumas músicas prontas antes do início da pandemia, aproveitei para revisitá-las, regravar algumas coisas que estavam me incomodando, para então lançar o álbum que venho produzindo há quase dois anos (haha).

Gabeu com o cobiçadíssimo troféu Poc Awards
Gabeu com o cobiçadíssimo troféu Poc Awards

Seu hit “Amor Rural” tem mais de um milhão de visualizações. Uma letra bem humorada e fala da homossexualidade com extrema tranquilidade. Como é você chegou a essa definição de estética musical?

Sempre tive muitas referências musicais e estéticas do sertanejo e do country. Ao longo da vida fui adquirindo outras referências quando fui adentrando cada vez mais um universo mais pop. Juntar tudo isso imprime muito bem o que eu sou, o que eu gosto, o que eu ouço, o que eu canto. Eu amo a simplicidade da estética sertaneja raiz, eu amo os looks extravagantes e cheios de brilho do country americano e toda a ousadia da cultura pop, eu sinto que eu sou um pouquinho de cada uma dessas coisas.

Você já teve um amor rural?

Não literalmente rural (haha)! Muitos acreditam que eu vivo na roça, que eu tenho de fato essa vida rural, porém tudo isso se trata de um resgate cultural. Mas eu já tive sim um relacionamento onde “a noite era ousadia e o dia era turvo”. Meu primeiro namoro foi conturbado nesse sentido, pois a família dele não aceitava então acabávamos vivendo um namoro escondido, durante um tempo funcionou, mas chegou uma hora que ficou insustentável.

Seu último lançamento, “Pistoleira”, com a Alice Marcone, tem uma linha que diz “essa donzela é pistoleira”. É uma canção autobiográfica?

É uma canção que eu me identifico muito! A concepção veio da Alice, é uma letra autobiográfica dela, apesar de eu também ter ajudado na composição. Acredito que essa música imprime bem a posição dela enquanto mulher trans, que muitas vezes esbarram em homens cis que não estão dispostos a se envolver afetivamente com uma mulher trans, não estão dispostos a assumir relacionamentos… Essa donzela é pistoleira, se esse cara estiver disposto, ela vai descarregar essa paixão com ele, mas se não, ela mete bala e ele beija o chão. Ao mesmo tempo que ela traz essa narrativa, existe um mood western de filmes de bang bang. Me identifiquei muito com tudo isso quando a Alice me fez o convite, obviamente, no meu lugar social enquanto homem, cis, gay, mas sendo afeminado eu já esbarrei em situações onde eu me senti uma pistoleira, em algumas delas a gente descarregou a paixão, em outras foi TRA.

No senso comum, até por situações que vieram à mídia, o meio sertanejo é tido por muito sexista. Mas você já afirmou ter recebido bastante apoio, conversa e compreensão do seu pai. Você sente isso vindo de colegas da cena ou a relação é mais complicada quando à sexualidade?

É importante afirmar antes de qualquer coisa que nenhum discurso consciente sobre minorias adentrou o sertanejo ainda e acho que se isso acontecer um dia, será muito mais para frente. Por mais que eu tenha crescido com o sertanejo dentro de casa eu não estou presente na cena sertaneja, então realmente muitas coisas nem chegam até mim, do que estão pensando, do que estão achando – na maioria das vezes eu não sei, pois não recebo muito feedback desse universo. Tudo de positivo que eu recebi nesse início de carreira vem de um lugar muito mais pop, indie, independente, de uma outra cena musical. Claro que existem exceções! Fiquei fora de mim quando percebi que Lauana Prado, que ta inserida no mercado mainstream, me segue no Instagram, além de uma porção de mulheres mais velhas, que vez ou outra comentam que são muito fãs do meu pai e que agora são minhas fãs. Não é sempre, mas acontece.

Gabeu levou o troféu Poc Awards 2020 na categoria "Músico Poc Brasileiro" - Reprodução
Gabeu levou o troféu Poc Awards 2020 na categoria “Músico Poc Brasileiro” – Reprodução

Há muitos estereótipos na comunidade gay, no que se refere ao gay padrão (sarado, belo e jovem), você já se sentiu pressionado por essa padronização imposta?

A vida inteira me senti pressionado por padronizações impostas, acredito que todo gay afeminado. Na escola eu correspondia ao estereótipo do “viadinho” que odiava futebol e só ficava perto das meninas. Sabemos que não é regra, mas eu era assim, e isso durante toda a minha vida escolar pesou no meu psicológico por motivos óbvios: exclusão, zoação, enfim… Sempre senti uma pressão também por não ser aquele filho de sertanejo que ‘honra o pai’, que é bruto e rústico. Entre os gays é óbvio que isso não deixa de existir, existe sim essa opressão em relação à feminilidade de alguns homens. Já me senti muito pressionado por isso, hoje eu sou um pouco mais bem resolvido em relação a isso. Claro que não significa que esse preconceito deixou de existir.

Reprodução

É, de alguma forma, uma responsabilidade para você ser filho de uma lenda viva do Sertanejo como o Solimões? Você sente esse peso?

Sempre senti essa pressão vinda das pessoas por eu ser filho de um cantor sertanejo famoso. Essa pressão chega de várias formas: seja pelo fato de eu ser gay e, isso, de acordo com algumas pessoas “ser uma vergonha para o meu pai”, seja por um viés mais musical, porque durante muitos anos eu me afastei e reneguei o sertanejo, por não identificação, por não concordar com milhões e milhões de coisas do meio. Hoje, com meus projetos artísticos e meus planos mais claros na minha cabeça essas coisas já não me afetam tanto, porque eu sei porque estou fazendo e para onde quero ir, então não sinto mais como uma pressão, sinto que é exatamente isso, uma responsabilidade, de entender de onde eu venho, qual o meu background, as portas que se abrem por conta disso e o que eu consigo fazer de bom com isso. Mas não posso mentir e dizer que é sempre que eu lido bem com essa responsabilidade, como qualquer pessoa eu tenho meus momentos bons e ruins.

Você disse, em entrevista recente, que fez teatro quando mais novo, incentivado, inclusive, pelo seu pai. Pretende mesclar as carreiras no futuro, como outros cantores fizeram? Como você gostaria de atuar, caso tivesse a chance?

Minha época de teatro foi fundamental para a formação da pessoa que eu venho construindo, uma época de muita descoberta, muita reflexão e autoentendimento. Acredito que eu já trago um pouco dessa bagagem para o meu trabalho, claro que por um caminho da comédia por enquanto, mas isso também é teatro. Em Sugar Daddy eu estava atuando, de forma tosca, mas estava (hahaha). Mas eu me imagino sim explorando mais esse lado teatral na minha carreira de diferentes formas, com coisas mais dramáticas, mais naturalistas, não sei, tudo é possível. Gostaria de um dia ter a oportunidade de atuar em algum filme, série, ou fazer uma participação em alguma novela, quem sabe?

Você tem apenas 22 anos e uma carreira com diversas possibilidades pela frente. Quais são os seus projetos para o futuro? Você pensa em se arriscar em outros estilos, tentar parcerias com outros artistas? 2021 promete alguma novidade?

Atualmente estou muito focado no meu primeiro álbum, que será lançado ainda esse semestre. Tenho alguns outros planos para futuros mais distantes, mas hoje eu só consigo pensar nesse projeto, que até então é o maior da minha vida. Esse álbum é uma viagem a diferentes lugares, épocas e contextos, uma experimentação de possibilidades dentro da música sertaneja, mesclando pop, country, música latina, funk, tudo que você imaginar, além de conter participações mais que especiais. Acho que é isso que posso dizer sobre o álbum, por enquanto. Tenho algumas outras parcerias que sairão esse ano também, mas que não dependem de mim, são projetos de outros artistas, todos muito queridos.




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