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Sofia Fragoso (PCdoB), de 25 anos, disputa uma vaga como deputada estadual de Pernambuco pela Coletiva Comuns. Moradora de Caruaru (PE), ela é travesti, pansexual, designer de moda e presidenta de União da Juventude Socialista (UJS) de sua cidade. Em conversa com Gay Blog BR, ela falou sobre sua trajetória política e as propostas da candidatura coletiva.

Sofia Fragoso, da Coletiva Comuns”, candidata a deputada estadual pelo PCdoB de PE (Foto: Divulgação)

Sofia também é modelo, Miss Trans Pernambuco 2019 e transfeminista. Sua caminhada na política inicia em 2016, na UJS. Em 2019, se filiou ao PCdoB e concorreu ao cargo de vereadora, sendo a mais votada do partido em Caruaru, mas não foi eleita. “oi uma grande vitória conseguir alcançar as pessoas e os votos que alcançamos na época. Hoje, concorro ao cargo de deputada estadual com a Coletiva Comuns, que é formada por sete mulheres de diversas cidades do estado de Pernambuco”, comenta.

“Estar cansada” da falta de representatividade e da atual política foi o que a motivou a concorrer nestas eleições. “Eu sou travesti e moro no país que mais mata pessoas como eu em todo o planeta. É URGENTE a criação e promoção de políticas públicas pensando não só em toda a sigla LGBTQIA+, mas principalmente na letra T”, afirma a candidata.

“O diferencial da nossa campanha é que não separamos um eixo de pautas exclusivamente LGBTQIA+, mas que essa comunidade está inclusa dentro da maior parte nossos eixos, que são: educação, saúde, cultura, segurança, emprego e mobilidade urbana”, acrescenta Sofia.

Coletiva Comuns (Foto: Divulgação)

GAY BLOG BR: Qual a sua formação e trajetória profissional? 

Sofia Fragoso: Minha formação política começou em 2016, na União da Juventude Socialista. A UJS é a maior juventude organizada da América Latina, e hoje sou presidenta da UJS Caruaru. Me filiei ao PCdoB em 2019, para no ano seguinte concorrer ao cargo de vereadora. Não cheguei a ser eleita, mas fui a vereadora mais votada do nosso partido em Caruaru. Fizemos uma campanha com poucos recursos, onde contamos com a contribuição de toda a nossa militância em Caruaru. Foi uma grande vitória conseguir alcançar as pessoas e os votos que alcançamos na época. Hoje, concorro ao cargo de deputada estadual com a Coletiva Comuns, que é formada por sete mulheres de diversas cidades do estado de Pernambuco.

Muito antes de ser candidata em qualquer eleição, atuei de forma política na minha cidade. Fiz parte da Câmara Técnica de Enfrentamento à Violência de Gênero, onde fazíamos o acompanhamento e a fiscalização de denúncias de violência contra a mulher, seja cis ou trans, além de promover ações de educação popular. Conscientizamos diversas mulheres sobre a Lei Maria da Penha, informando também sobre a inclusão de mulheres trans e travestis nessa lei. Educamos sobre as diversas formas de violência, não só física e sexual, mas patrimonial, psicológica, verbal, dentre outras. Também integrei o movimento municipal Lutas e Cores, pioneiro em Caruaru, pela luta dos direitos LGBTQIA+. A nível nacional, faço parte da UNA LGBT – União Nacional LGBT.  Minha trajetória política é muito marcada não só pela luta dos direitos das mulheres trans e travestis, mas também dos estudantes. Além de ter sido conselheira da juventude, como UJS, guiei diversos jovens na formação política e na luta pelo direito dos estudantes.

Fui a primeira pessoa trans a ingressar no Campus Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco, em Caruaru. Cursei Design, com a minha formação acadêmica sendo voltada para a área de moda, onde comecei a atuar como designer em 2015. Já fui produtora de moda, desenvolvi coleções e trabalhei como modelo. Em 2019, venci o Miss Trans Pernambuco.

GB: O que motivou a se candidatar?

Sofia: Seria loucura começar essa resposta dizendo: estar cansada? Eu cansei da falta de representatividade da juventude na tomada de decisões políticas. Cansei de só existir política velha reciclando sempre os mesmos assuntos. Cansei de a comunidade LGBTQIA+ quase não ter voz no parlamento. Eu sou travesti e moro no país que mais mata pessoas como eu em todo o planeta. É URGENTE a criação e promoção de políticas públicas pensando não só em toda a sigla LGBTQIA+, mas principalmente na letra T. A constituição dá a todos o direito à vida, mas isso não se aplica às travestis. Não somos nem reconhecidas pelo IBGE, que ignora os registros de assassinatos de pessoas trans. Quando se traz essa questão para o interior de Pernambuco, o buraco é bem mais embaixo. Em Caruaru, existe uma praça que à noite, é destinada à prostituição de mulheres trans e travestis. Em contrapartida, nunca tivemos uma vereadora trans. Essas mulheres estão se prostituindo por opção? Elas escolheram reduzir drasticamente a sua expectativa de vida, se expor ao risco de violência física e sexual, além da possibilidade de contrair doenças sexualmente transmissíveis? Ou isso acontece por falta de um governo que enxergue e cuide delas? Onde estão as políticas públicas para empregar essas mulheres? Onde está o direito à vida, a um emprego digno, à saúde e à educação? Em todo o estado de Pernambuco só existe um Ambulatório Trans, espaço onde é possível fazer o acompanhamento profissional do processo de terapia hormonal, além de acompanhamento psicológico. Em todo o país, a situação piora: são apenas 33 espaços com serviços em saúde pública para pessoas trans e travestis para todo o Brasil.

Quando se fala de educação, ainda estamos empacados na questão dos banheiros. Em escolas, já aconteceram diversos casos de pessoas trans utilizando banheiro dos professores ou banheiro para pessoas com deficiência, apenas por que eram proibidos de utilizar o banheiro correspondente ao seu gênero. E quando não resolvemos nem essa pauta, como chegar na questão da evasão escolar? A escola precisa ser um espaço de acolhimento e aprendizado. Se a realidade de pessoas LGBTQIA+ é de não ter apoio dentro de casa e não existe nenhum acolhimento na escola, o que sobra para elas? Alunos trans menores de 18 anos não podem nem utilizar o nome social na caderneta escolar se não tiverem a aprovação dos pais. Essa construção conservadora impõe que menores de idade não podem afirmar a sua identidade de gênero. Apesar disso, existem grupos políticos que defendem a ideia absurda da diminuição da menoridade penal para 16 anos. Defendem que você tem maturidade para ser preso ainda na adolescência caso cometa infrações, mas te proíbem de afirmar a sua identidade de gênero, Afinal, se não há acolhimento em casa, na escola ou na política, sobra algum lugar além da rua?

GB: Quais os desafios enfrentados ao ser uma candidata abertamente LGBTQ+?

Sofia: Nas últimas eleições eu fui assediada na rua, sofri com comentários sexistas, tive o meu Instagram hackeado e uma live no Google Meet sobre combate às opressões LGBTQIA+ invadida por mais de 30 perfis anônimos, que exibiram músicas da campanha de Bolsonaro e vídeos de pornografia. Tentaram derrubar o meu Instagram duas vezes. Sofri ataques via WhatsApp, com diversos números me enviando constantemente conteúdos pornográficos ou bolsonaristas. Em 2022, eu não sei o que esperar. Se é preconceito, transfobia, sexismo, ataques cibernéticos ou assédio. Sei que isso não vai me parar.

GB: Quais são as suas principais propostas? Há pautas exclusivamente para LGBTQ+?

Sofia: O diferencial da nossa campanha é que não separamos um eixo de pautas exclusivamente LGBTQIA+, mas que essa comunidade está inclusa dentro da maior parte nossos eixos, que são: educação, saúde, cultura, segurança, emprego e mobilidade urbana. Algumas das propostas são:

Na educação e também na mobilidade urbana, temos a proposta de regularizar a nível estadual o passe livre dos estudantes secundaristas da rede pública municipal e estadual e de Institutos Federais. Promover o acesso à educação é o primeiro passo para empoderar a juventude quanto aos seus direitos e às possibilidades. Além disso, ainda na pauta da educação, articular para que o ensino de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais seja currículo obrigatório desde o ensino fundamental, promovendo a inclusão social de pessoas surdas e deficientes auditivos. Lutar pela facilitação de alunos menores de 18 anos utilizarem o nome social na caderneta escolar a partir do autorreconhecimento da sua identidade de gênero. A questão de gênero precisa ser inclusa na grade curricular. Aulas de biologia precisam abordar corpos trans, aulas de sociologia, que já abordam a luta de classes e os movimentos sociais, precisam debater a importância do surgimento do movimento LGBT. Não se  trata “ensinar crianças a ser gay” como muitos acham, mas enfatizar que nós existimos, não somos aberrações e merecemos o devido respeito de todo ser humano. O movimento LGBT não é um fenômeno passageiro, nós fazemos parte da sociedade e precisamos ser reconhecidos como tal.

Na saúde, criar um sistema de inteligência de dados sobre pessoas LGBTQIA+, especialmente para pessoas trans e travestis. Informação é uma ferramenta muito preciosa para que possamos adequar as políticas públicas às necessidades dessa comunidade. A ideia desse sistema é abrigar dados sobre saúde, escolaridade e vulnerabilidade social. Esses dados facilitariam, por exemplo, o atendimento de pessoas trans e travestis em hospitais, ambulatórios, Upas e demais unidades de saúde, além de Cras e Creas.

Na cultura, é urgente o incentivo financeiro à projetos que tenham povos tradicionais, mulheres, pessoas LGBTQIA+, negros e negras envolvidos na produção. Pernambuco vive um descaso com a cultura. Não se entende que ser artista é uma profissão e aplausos não pagam boletos. Além disso, a nossa juventude precisa desde cedo ter contato com manifestações culturais, pois a arte é essencial para a formação humana.

GB: Quais medidas você acredita serem necessárias para combater a LGBTfobia?

Sofia: Na minha concepção, a grande dificuldade de combater essas opressões é que pessoas LGBTs ainda são tratadas como uma questão isolada. Somos tratados como pautas específicas, e não gerais. Enquanto não formos reconhecidos como parte integrante da sociedade, que trabalha, paga impostos e contribui com o desenvolvimento do país, não vamos avançar no combate às opressões. Combate esse que abrange muito a educação, pois é através dela que quebramos as mais diversas barreiras do preconceito. Precisa existir o protagonismo da comunidade LGBT na tomada de decisões políticas. Cansamos de outras pessoas falando por nós e sobre nós. Temos autonomia e capacidade de reivindicar nossas próprias questões, o que nos falta é espaço.

GB: O que você pensa sobre o uso e políticas da PrEP?

Sofia: A PrEP é um mecanismo fundamental para a proteção de profissionais do sexo. Tendo em vista a quantidade de travestis e pessoas trans que acabam na prostituição por falta de oportunidade no mercado de trabalho, essa proteção é essencial para prevenir a contaminação do vírus HIV. Apesar disso, precisamos que mais informação seja difundida, pois além de não existir políticas públicas para tirar essas pessoas da rua, se pensa que é suficiente apenas distribuir camisinha. Apesar de PrEP não impedir completamente a contaminação por HIV, e não ser uma proteção contra sífilis e outras Infecções sexualmente transmissíveis, não deixa de ser uma ferramenta importantíssima para, ao menos, garantir um pouco mais de longevidade para essas pessoas com expectativa de vida de 35 anos.

GB: Como você avalia o governo de Bolsonaro?

Sofia: Avaliar o governo é díficil, já que não tivemos um. Já avaliar o desgoverno… aí temos muito o que criticar. Bolsonaro não representa apenas a extrema direita, mas o extremo conservadorismo. Se você não é branco, cis, heterosexual e de classe média alta, você com certeza passou por diversas dificuldades nos últimos quatro anos. Ele é a personificação da segregação social. Ficou explícito no governo dele que é necessário que existam pessoas em extrema pobreza para manter a riqueza daqueles que estão no topo. Os ricos com poupanças cada vez mais gordas, enquanto os pobres se alimentam de ossos.  A avaliação mais profunda que se pode fazer, é que no governo Bolsonaro nós perdemos diversas conquistas do movimento social. Se não perdemos, no mínimo tivemos diversos cortes. Um exemplo disso é a minha universidade, a UFPE. Desde que Bolsonaro assumiu a presidência, todo ano, os alunos estudam sem saber se a universidade vai continuar aberta até dezembro. A cada ano, o orçamento da universidade diminui. Bolsas de auxílio estudantil são cortadas, e pessoas em vulnerabilidade socioeconômica simplesmente não têm condições de se manter na universidade. Afinal, o ensino superior é apenas para os ricos? Em certo ano, foi decretado pela reitoria que todos os três campi da Universidade Federal de Pernambuco deveriam tomar diversas atitudes para economizar energia. Não se podia ligar as luzes antes das 18h, não se podia ligar nenhum ar-condicionado, com exceção de laboratórios que contam com máquinas que necessitam da temperatura mais baixa para funcionar. Tudo isso, porque a Universidade Federal de Pernambuco, a melhor universidade do nordeste, a 34ª melhor universidade da América Latina, não tinha dinheiro para pagar a conta de energia. E sem energia, ela não pode funcionar.

Bolsonaro deturpou completamente o conceito de liberdade de expressão. Usou de falas para agredir pessoas e grupos, fazendo discurso de ódio mascarados de opinião. Agora, me parece que as pessoas se sentem muito mais confortáveis em agredir por meio de palavras. Claro, a agressão não é exclusivamente verbal, já que tivemos até mesmo casos de pessoas sendo mortas apenas por expressar uma opinião política de esquerda. A “liberdade de expressão” é seletiva e autoritária. A galera da direita pode falar as merdas que quiser, pode ofender todas as minorias, e para eles, está tudo bem. Mas se expressamos opiniões contrárias, armas são apontadas para nós. Podemos não viver declaradamente em uma ditadura, período tão elogiado pelo atual presidente e seus apoiadores, mas estamos perigosamente em uma situação que avança cada vez mais para trazer de volta a época do golpe militar. Claro, pode não acontecer um golpe militar, mas com certeza já temos um “gostinho” de como seria viver em uma ditadura.

GB: Sendo uma pessoa trans, você teve dificuldades em relação à retificar o seu nome social e garantir o seu direito de utilizá-lo na eleição, seja como eleitora ou candidata?

Sofia: Em 2020, quando fui candidata à vereadora por Caruaru, fazia poucos meses que eu tinha retificado os meus documentos. Eu já tinha certidão de nascimento, RG e CPF retificados com o meu nome: Sofia Fragoso da Silva. No entanto, por falta de atualização do sistema, apesar de ter os documentos físicos retificados, constava ainda o meu nome morto. O sistema do RG e do CPF não são integrados. Apesar de constar Sofia no meu RG, o meu nome morto ainda constava no meu CPF pelo sistema online. Por isso, corri o risco de ter a minha candidatura impugnada, por incoerência no Cadastro de Pessoa Física. Afinal, não podem existir dois nomes para o mesmo CPF. Foi necessário abrir um processo junto ao TSE para avaliar a minha situação. Eu corria o risco de o meu nome morto aparecer na urna. Me senti extremamente violada. Na época, faziam cinco anos que eu estava em transição. Eu não tinha mais contato com o meu nome morto, mas tive que lidar com o fato de que meus documentos antigos estavam sendo acessados por diversas pessoas durante esse processo. Isso me gerou diversas crises de ansiedade. E se aquele nome aparecesse na urna, para cada pessoa que votasse em mim? Esse nome se espalharia? Pessoas transfóbicas usariam dele para me desrespeitar e me atacar? Para mim, sofri de uma imensa transfobia institucional. O sistema não está preparado para lidar com pessoas trans. Isso só mostra o quanto é urgente que espaços políticos sejam ocupados pela comunidade LGBTQIA+.

Confira a lista de candidaturas LGBTQIA+ de 2022 neste link.

Lista de candidatos LGBTQ+ nas eleições 2022 | Deputados, Senadores, Governadores




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Jornalista gaúcho formado na Universidade Franciscana (UFN) e Especialista em Estudos de Gênero pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)