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Um rolê na Pólis: de Gilliard a Picasso

Em sua coluna de estreia, o psicanalista Diogo de Castro Gomes convida leitores para "torcer e retorcer" sobre desafios da mente humana

COLUNISTA

Diogo de Castro Gomes
Psicanalista, Doutorando em Psicanálise pela UERJ e Formação Psicanalítica pela ELF (CRP 05/31652)📍Contato para atendimento online ou presencial: diogo@gay.blog.br

Este artigo também está disponível em: Español

A Psicanálise inaugura um novo campo de saber. A propagação desse novo campo pelas mídias sociais, por exemplo, pode levar ao aprofundamento do mal-estar por fabricar um ideal de “autoconhecimento”. Essa demanda está condenada, de saída, ao fracasso, porque promove a ilusão de que o psicanalista detém um conhecimento sobre a vida e suas agruras ou usufrui de algum bem que os demais não têm. Quando o analisante deixa de buscar alhures um consentimento simbólico/imaginário e assume sua posição desejante, ele constrói um novo tipo de saber que ratifica a diferença entre sujeito e indivíduo.

O termo “indivíduo” deriva do latim individuum: aquilo que não se pode cortar, que não é divisível. O psicanalista se interessa exatamente por esse corte, essa secção, posto que é ele que fundamenta a emergência do sujeito sobre o qual operamos. Em outras palavras, o psicanalista se interessa por esse dizer que não é apreendido nas vertentes da significação, por esse impossível de simbolizar; essa é a base da práxis psicanalítica. Portanto, o sujeito – sobre o qual operamos – não é uma unidade contável em uma coletividade, ele não é uma classe (usuário, consumidor, colaborador, etc.) ou tampouco aquilo que se opõe ao coletivo como particular conforme sugere o termo “indivíduo”.

Logo, a subjetividade tem sua estrutura fundada em uma subversão espaço-temporal que exclui toda dimensão mensurável, isto é, em uma superfície onde as relações entre interior/exterior, individual/coletivo não são antitéticas, mas, sim o colorário do conflito entre a vida pulsional e as restrições impostas pela civilização. Freud em 1938 já havia constatado tal subversão ao afirmar que: “o espaço pode ser a projeção da extensão do aparelho psíquico… A psique é estendida; nada sabe a respeito”.

Podemos inferir que a formação do psicanalista participa dessa subversão espaço-temporal, haja vista que a relação entre “teoria” e “prática” também não são antitéticas. Ao empregarmos o termo analisante já estamos dando pistas do que acontece nesse processo. Por quê? Porque, o sufixo ante – que etimologicamente vem do latim – indica a noção de agente. O analisante é aquele que exerce uma ação, aquele que trabalha. O psicanalista faz com que o analisante trabalhe para produzir/inventar novos significantes que o conduza na travessia de seus fantasmas. Mediado por aquilo que produziu, o analisante, passa a ter notícias da radical descoberta freudiana, ou seja, do inconsciente e seus efeitos.

Freud destacou a importância da análise pessoal para o psicanalista devido à dificuldade que o inconsciente impõe à sua apreensão, ou seja, a dificuldade de apreender na “teoria” o que é o inconsciente freudiano. Essa dificuldade evidencia-se quando Freud, ao inaugurar uma nova episteme, inclui o inconsciente como suporte daquilo que é transmitido forjando a um só tempo seu método, seu instrumento, seu campo e seu objeto. Ao adentramos na práxis psicanalítica devemos considerar que algo se transmite à revelia daquilo que se pretende conhecer; “o intransmissível está no coração do desejo de transmitir, não como inefável, mas como soleira para a invenção”¹.

Em uma direção diversa da Psicanálise a psicoterapia fundamenta-se em uma visão adaptativa orientada por uma compreensão fixada de antemão sobre aquilo que se escuta daquilo que se fala, não sustentando, portanto, a posição do sujeito desejante além da demanda; “compreender é estar sempre compreendido a si mesmo nos efeitos do discurso”² – afirma Lacan em 4 de maio de 1972. Dessa forma, reiteramos que a psicoterapia como um aparelho do discurso tecnocrata cria, naturaliza e fixa receitas morais e comportamentais marcadas por uma pluralidade psicológica idealizadora da boa índole; a experiência da Psicanálise vai além dos ideais guiando-se pela ética do desejo.

Por fim, meus caros leitores, como não posso visitá-los³, trago notícias nessa coluna jornalística. Aqui na Terra tem mais choro do que samba e rock’n’roll, mas o que eu quero é lhes dizer que a situação é periclitante. Observar que as Escolas de Psicanálise são preteridas na passagem à posição de psicanalista e podem vir a ser substituídas por Youtube, podcasts, cursos, pós-graduações ou até mesmo uma coluna como esta – embora, é importante que os psicanalistas não abdiquem de ocupar todos esses espaços! – faz acender um alerta que conduz ao seguinte discernimento: um psicanalista é aquele que leva sua análise pessoal às últimas consequências; é aquele que torceu, retorceu, se virou do avesso e por não ter procurado, encontrou.


¹ PORGE, E. (2009). Transmitir a clínica psicanalítica: Freud, Lacan, hoje. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.
² LACAN, J. (1971-72). Seminário: O saber do analista.
³ Considerando a subversão espaço-temporal intrínseca a produção de subjetividade, sinto-me visitando-os, entrando no espaço que vocês me concedem e em um tempo que se sucede.




Diogo de Castro Gomes
Diogo de Castro Gomes
Psicanalista, Doutorando em Psicanálise pela UERJ e Formação Psicanalítica pela ELF (CRP 05/31652)📍Contato para atendimento online ou presencial: diogo@gay.blog.br

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