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André Fischer (54) é pioneiro no que diz respeito à temática LGBT+, muito antes desta sigla sequer existir. Em 1993, o carioca idealizou o Festival MixBrasil, que no início exibia curtas-metragens GLS (antiga sigla que se referia a “gays, lésbicas e simpatizantes”) e, com o sucesso, além da adesão de longas, hoje faz até curadoria das obras que vão entrar no line-up do evento. Considerado o maior festival da diversidade da América Latina, o MixBrasil expandiu ao ponto de também hospedar teatro, música, literatura, games, conferências e laboratórios sobre o cinema.
Ainda na primeira metade da década de noventa (1994), Fischer criou o portal MixBrasil, tornando-se uma importante fonte de informação e cultura para a comunidade gay em geral. O portal ficou no ar por 20 anos e, nesse meio tempo, André fundou a Revista Junior, que apresentava ensaios sensuais sem nudez explícita e reportagens sobre os mais diversos assuntos.

Inquieto e multitalentoso, André Fischer também embarcou na literatura, tendo escrito mais de quatro livros, sendo o mais recente o Manual Prático de Linguagem Inclusiva (2020).
Em entrevista ao GAY BLOG BR, André contou um pouco sobre a sua trajetória nos diferentes campos em que atuou.
No que se diz respeito à informação e à cultura da diversidade, você foi pioneiro com o portal MixBrasil, que ficou no ar de 1994 a 2014. Por que o portal MixBrasil acabou?
O portal MixBrasil, bem como os programas em tevê e rádio e a editora de revistas, acabaram basicamente por motivos filosóficos, econômicos e pessoais. Já havia perdido sua relevância, que havia sido imensa nos 15 primeiros anos de atividade com as mudanças da internet e do mercado. Não era mais rentável o suficiente para manter a estrutura, equipe etc. E eu estava com meus interesses voltados para outros temas. Decidimos manter e focar no Festival MixBrasil que, de qualquer forma, tinha sido a origem de tudo.
E a Revista Junior, que você fundou em 2007?
O mercado editorial impresso como um todo praticamente acabou no Brasil, imagine então uma editora independente. Mas acho que tem um outro fator. Eu já não acreditava mais no projeto editorial a ponto de fazer um esforço gigantesco para mantê-lo vivo. Era uma publicação muito aprimorada, bem-feita, mas direcionada a um público GGG, com valores bastante consumistas. Acho que cumpriu seu papel muito honrosamente, mas datou.
Quais foram os maiores desafios na produção de conteúdo nos anos 90?
Para começar, encontrar assuntos: muitas vezes precisávamos nós mesmos criar eventos (a cena LGBT era limitada nessa época), procurar personagens e, uma época que não havia rede social e poucas pessoas tinham internet. E encontrar recursos financeiros para manter uma equipe.

Milhares de filmes já passaram pelo Festival desde 1993. Quais foram os filmes que mais te marcaram?
Que pergunta difícil! Foram mais de três mil filmes nesses 28 anos, muitos marcaram minha vida em diferentes momentos. Vou mencionar os primeiros que me vêm à cabeça: quase todos do Bruce LaBruce, “C.R.A.Z.Y.”, “Fucking Amal”, “Bixa Travesty“, “Go Fish”, “O Príncipe“, “O Terceiro” etc.
No ano passado, pela primeira vez, o Festival foi realizado de forma online devido à pandemia. Qual foi o saldo?
Foi excelente, saldo muito positivo. Tivemos tempo de assistir iniciativas que aconteceram durante o ano, aprender com os erros dos outros, usar as boas ideias e criar nossas próprias soluções. Presencialmente, nos anos anteriores, tínhamos um público de cerca de 50 mil pessoas. No online, não apenas multiplicamos por 5 o público, mas telespectadores todos os lugares no Brasil puderam participar. Além disso, tivemos a oportunidade de produzir muito conteúdo que continua disponível – entrevistas com realizadores, palestras, workshops. Criamos nossa plataforma, o MixBrasil Play, e no teatro pudemos participar de maneira muito ativa de um movimento de fusão das linguagens da performance com audiovisual.

Sob Bolsonaro, teve algum momento que o Festival foi ameaçado? Corre risco de não ter uma próxima edição?
Muito pelo contrário, acho que o Festival MixBrasil nunca esteve tão forte e consolidado justamente como um contraponto fundamental a esse retrocesso político. O público se renovou, muita gente nova chegou junto e tivemos um apoio entusiasmado de parceiros e patrocinadores. Sempre digo que a única certeza que eu tenho é que o Festival MixBrasil vai acontecer, com ou sem verba, a gente sempre vai encontrar uma maneira de realizá-lo.
Você também foi colunista do MTV Notícias? Como era sua relação com a emissora, era o único canal que abriu portas para diversidade nos 90?
A MTV foi uma parceira fundamental nos primeiros anos do MixBrasil, cobriu e dava muito espaço à temática LGBT e nossas atividades. Depois de participar durante muitos anos da bancada de vários programas, fui convidado a colaborar com colunas e comentários para o MTV News, foi uma experiência muito bacana durante 3 anos. Na mesma época eu também era apresentador e redator do Cine MixBrasil, programa do Canal Brasil/ Globosat que ficou no ar por 7 temporadas e foi um dos grandes divulgadores da produção nacional de curtas LGBT+.

Você também é escritor, tendo lançado alguns livros; seu mais recente trabalho é sobre linguagem inclusiva. Qual o seu posicionamento frente à linguagem neutra?
A busca por uma linguagem neutra de gênero é uma iniciativa justificável para incluir pessoas não-binárias, agêneras, de gênero fluido ou transgênero e que fomenta uma importante discussão sobre a necessidade das pessoas se enquadrarem em padrão binário de gêneros. Mas a proposta precisa superar algumas questões práticas, que começa por encontrar um consenso entre os sistemas que usam diferentes pronomes e essas regras ainda não estão previstas em dicionários, corretores ortográficos ou manuais de redação. Já a Linguagem Inclusiva segue a atual norma da língua portuguesa utilizada no Brasil hoje tem a vantagem de poder ser aplicada universal e imediatamente, independente de mudanças formais.
No Youtube existem vários canais dedicados à comunidade LGBT, o que você acha do conteúdo apresentado por eles?
Para ser bem sincero, assisto e acompanho mais para me manter informado sobre que está sendo produzido na nossa comunidade do que pelo conteúdo em si.
Você enxerga militância na geração millenial e Z?
Sim, é uma militância feita de maneira diferente. Como me mantenho no circuito, me identifico com muitas das questões vividas pelos millenials. Já o que pensa e faz a galera Z e alpha exige um pouco mais de empenho para me engajar. Não adianta esperar que pensem e façam tudo da mesma maneira que a minha Geração X, que sofria outras pressões e tem outras referências.

Há algo na cultura LGBT+ atual que você acredita ser extremamente contra o próprio movimento?
À medida que as demandas e idiossincrasias de cada subgrupo vão ficando cada vez mais específicas, parece que algumas pessoas LGBTQI+ começam a enxergam pares como rivais. Isso enfraquece a comunidade em um momento em que o que mais precisaríamos seria justamente união e força para enfrentar as ameaças comuns a todes nós.
Na época do portal Mix, você tinha um envolvimento maior com a Parada de SP. Muitas pessoas, inclusive famosas, se afastaram da associação por motivos diversos. Qual sua relação com a Parada? Como você avalia a gestão?
Depois de muito tempo, estou novamente muito próximo da Parada, atuando inclusive nessa gestão que foi eleita em dezembro como membro do Conselho. A Associação fez um trabalho de reaproximação com a comunidade, de quem se distanciou bastante, e reconheceu que precisava mudar. É hora de estarmos juntos e vejo que nas últimas edições a Parada ganhou um novo gás.
Você sempre está envolvido com vários projetos ao mesmo tempo. O que tem feito atualmente? Quais são seus projetos pós-pandemia?
Além do Festival MixBrasil, estou à frente do Centro cultural da Diversidade, equipamento da Secretaria Municipal de Cultura na região da Faria Lima com programação 100% dedicada a produção cultural LGBTQI+. Em fevereiro, lanço o Manual Ampliado de Linguagem Inclusiva, como o nome já diz, uma versão bastante estendida do anterior com técnicas e reflexões sobre como escrever e falar sem reforçar preconceitos de gênero, orientação sexual, cor/raça, xenofobia, ageísmo e capacitismo. E um projeto novo, que envolve estudo sobre convergência de linguagens, que espero poder falar mais em breve.
Para acompanhar André Fischer nas redes sociais:
instagram.com/andrefischer
twitter.com/andre_fischer
Para acompanhar o Festival MixBrasil nas redes sociais:
instagram.com/festivalmixbrasil
twitter.com/fmixbrasil
youtube.com/fmixbrasil
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