Há cincos, os videomakers mineiros Rodrigo Ladeira e Fábio Lamounier deram início ao Chicos, projeto que enfatiza as experiências de vida de homens gays e sua construção de identidade a partir da orientação sexual deles. São relatos mesclados a fotos que desnudam não somente o corpo, mas as vivências pessoais de cada um deles, seus anseios e sentimentos com a própria sexualidade, família e relacionamentos.

Como surgiu a ideia de criar um projeto fotográfico focado no homem gay e sua relação com o corpo desnudo?
Surgiu com uma inquietação de nós dois. Desde que nos percebemos como gays, buscamos por um respeito e reconhecimento. Com o passar dos anos, fomos aprimorando o nosso trabalho relacionado a vídeo e fotografia com nosso constante interesse em registrar a vida e a intimidade alheia.
Cada pessoa que se abre para nós, divide seu universo gay, sua intimidade. A pessoa se despe não apenas das suas roupas, mas de suas várias camadas sociais para contar suas histórias.
Quantos ensaios vocês já realizaram até o presente momento? E como é feita essa abordagem com os ‘modelos’?
Fizemos mais de 150 ensaios nos mais diversos lugares. A maior parte dos ensaios que fizemos, os modelos nos procuraram, outros acontecem em meio a uma conversa, em um bar, festa ou na rua.
Algum relato que tenha mexido com vocês especificamente?
Os que marcaram são aqueles que fogem da nossa realidade e nos fazem pensar no cotidiano da outra pessoa. Depoimento de pessoas que moram longe dos grandes centros urbanos, quando entrevistamos os modelos trans que contaram as suas histórias, depoimentos como esses e tantos outros, nos fazem compreender a pluralidade de vivências e como é importante respeitar o outro.
Baseado na sua experiência durante os ensaios, é mais difícil para os ‘modelos’ expor a nudez ou suas vivências pessoais?
É super complexo essa questão porque pra algumas pessoas é mais fácil estar nu, do que de fato se abrir, e assim também como existe o contrário, tem gente que é muito mais fácil se abrir, contar a sua história, mas tem uma dificuldade absurda de tirar a roupa; vai muito da personalidade de cada um e da vivência de cada um, como a pessoa se relaciona com o próprio corpo e como ela se relaciona com o fato de abrir o seu íntimo né.
Eu acho que a maior parte das pessoas falou mais fácil do que tirou a roupa, mas existe um grande número de pessoas que teve essa dificuldade, às vezes elas iam para o projeto dizendo que só queriam ficar peladas e não queriam contar a história delas, e – não, tem que existir a parte sim de contar a história, essa é a parte principal do projeto. Então não tem uma resposta exata, depende muito da personalidade da pessoa e cada um que a gente vai entrevistar, gravar… é muito diferente um do outro.
Vocês lançaram um livro baseado nos ensaios realizados para o Chicos, como foi essa experiência? E o feedback disso?
A experiência do livro foi muito incrível, porque a gente não tinha a intenção nenhuma de fazer o livro. A gente começou a fazer o projeto e depois de uns 6 meses, as pessoas começaram a dizer: “Ah, faz uma e-zine (revista eletrônica disponível na internet, frequentemente gratuita e sobre um tema específico)… tem que ter uma e-zine no projeto”, aí a gente ficou pirando nisso: “Será que a gente faz? será que a gente não faz? Ah mais a gente não tem tempo pra fazer”; e aí a gente começou a pensar sobre e percebemos que uma e-zine não ia funcionar porque eram muitos meninos que a gente já tinha fotografado e tinha muita história e uma e-zine não ia comportar isso, então a gente decidiu fazer um livro.
Inicialmente um livro de 200 páginas com capa dura, então era um livro caro pra ser realizado, então a gente fez um crowdfunding e aí foi uma experiência incrível nesses dois meses de campanha porque a gente não sabia nunca se ia conseguir bater a meta ou não. Era um super suspense o tempo todo e até que faltando três dias para a campanha acabar, a gente bateu os 100% e foi incrível; aí as pessoas começaram a doar mais e mais, e fizemos correndo as contas com a nossa designer e gráfica, e a gente viu o valor pra aumentar mais 100 páginas do livro, então de 200 viraram 304 páginas e aí anunciamos: “Se a gente bater 125% a gente consegue fazer um livro de 300 páginas”; e a gente bateu no último dia, a gente conseguiu centro e trinta e alguma coisa por cento, então foi assim incrível, foi uma experiência maravilhosa; e o mais incrível foi depois quando as pessoas começaram a receber o livro… que começamos a receber o feedback das pessoas que tinham posado, então eu não esqueço de um menino do Rio que mandou um áudio chorando pra gente agradecendo, que o ensaio dele não tinha saído ainda na internet, e ele viu o ensaio dele primeiro impresso ao invés de online, e ele agradeceu muito porque ele se sentiu bonito, ele se sentiu corajoso, e o tanto que aquilo tinha sido importante para a autoestima dele.
O projeto sempre foi sobre isso… sobre a pessoa conseguir se vê e se expor para o outro, então paralelo a isso, a gente recebe até hoje mensagens inbox, no Whatsapp, e-mails, às vezes somos parados na rua por pessoas que nos dizem que leram o livro… que incrível o que isso mudou na vida delas. A gente tentou pegar histórias diferentes sobre vivências diferentes sobre corpo, sexualidade, relacionamentos, então tem muitas histórias diferentes, a ideia seria que o máximo de pessoas conseguissem se identificar com alguma coisa que estava ali e as pessoas se identificaram… elas se reconheceram e isso ajudou a elas a superar o passado, se sentir melhor consigo mesmo. Esse é o feedback que a gente sempre recebeu, então ficamos muito felizes com isso.
Soube que vocês têm planos de rodar um documentário, como seria esse projeto/temática?
A ideia dele (Fábio) existe, parece que ele ta meio parado, porque a gente tem trabalhado muito. Nós temos uma produtora de vídeo e não temos conseguido focar nisso, mas a nossa ideia seria focar em um tema específico sobre Chicos que algumas poucas pessoas ao longo do período do Chicos falaram sobre, mas aí a gente percebeu que não era um assunto tão comentado assim, porque a gente viu pouquíssima coisa a respeito. Quando a gente começou a pesquisar sobre meninos que sofreram abusos sexuais seja por familiares, amigos, ou desconhecidos, a ideia seria que esses meninos contassem as suas histórias. A gente ainda tem vontade de continuar com essa ideia mas ainda tá num projeto muito inicial, quem sabe daqui pra frente.
Em relação aos relatos no site, durante esse bate papo, seria um estilo “fale sobre você” e aí o convidado aborda o assunto que desejar ou vocês vão fazendo as perguntas e tocando em determinados temas para ele responder?
Nos ensaios as pessoas chegaram meio prontas “ah eu quero falar sobre tal coisa”, na maior parte dos ensaios a gente segue o mesmo procedimento; nós temos um grupo de perguntas padrão pra todo mundo, a gente faz as mesmas perguntas, na hora de colocar no site, a gente põe a pessoa que tem uma vivência diferente ou onde ela se aprofundou mais ou então a partir dessas perguntas iniciais que a gente faz, elas vão caminhando para uma outra conversa e isso vai levando para algo mais específico da pessoa, mas a gente tem uma gama de perguntas iniciais, geralmente elas são: ‘o que é ser gay pra você?’ sempre começa por aí, que esse é o recorte do projeto, né, homens gays, que é a nossa vivência, minha e do Fábio, então a gente sempre debate a partir daí. A gente fala sobre relacionamentos, sexo, perguntamos como foi se assumir, com os familiares, como é no local de trabalho… a gente vai perguntando esse tipo de coisa e cada pessoa vai levando para o rumo da vivência dela.
Existe uma pluralidade de corpos no projeto fotográfico: magros, gordos, brancos, pretos, é como se a única coisa em comum fosse a orientação sexual, havendo assim uma grande diversidade física entre eles. Essa sempre foi a proposta desde o início?
O projeto começou como um grupo de amigos que a gente tinha ao redor que se sentiam confortáveis pra fazer; eu conto um pouco sobre isso no livro, tem a primeira parte do livro que a gente conta a história como foi, até o lançamento do livro, as cidades que a gente foi, os encontros que a gente fez, e aí falamos um pouco sobre isso que é no sentido que a gente começou como um grupo de amigos.
Eu acho que quando a gente lançou o projeto nós tínhamos mais ou menos 6 pessoas, e logo que a gente começou, fomos massacrados na internet pela falta de diversidade dos corpos, e era uma coisa na nossa descrição que era a nossa intenção, claro que a gente queria abordar uma diversidade mas logo nos primeiros 6 não tinha uma diversidade. Para se ter uma ideia o Chicos lá no início foi matéria em mais de 14 países, então a gente foi elogiado, xingado, em várias línguas diferentes; eu lembro na época que a gente lia alguns comentários usando o Google Translator pra saber o que as pessoas estavam falando e foi muito legal nesse sentido porque a gente foi aprendendo muita coisa também, a gente foi conseguindo chegar em outros tipos de vivências e corpos também, e aprendendo pouco a pouco com cada chico que vinha conversar com a gente; então por exemplo se você for lá no comecinho tem muito chico que a fala dele é “eu resolvi tá aqui porque eu sentia falta de identificar um corpo como o meu e ao invés de xingar o projeto, eu resolvi participar, se não quem viria falar pelo meu corpo”. Então, tem umas falas que são bem legais, e foi isso, acho que pouco a pouco a gente tem que abraçar sempre a maior quantidade possível de corpos, mas a gente sabe que é difícil englobar todo mundo mas a gente tá sempre na busca, de buscar corpos, histórias e vivências diferentes.
O site já teve visibilidade em países como Portugal, EUA, Israel e Alemanha. Planos de viajar para o exterior para realizar este mesmo trabalho lá fora?
Quando a gente viaja normalmente estamos de férias e ai querendo ou não fazer o Chicos dá um trabalho apesar que a gente ama e a melhor parte é que a gente acaba conhecendo lugares e pessoas que a gente não conheceria se a gente não tivesse o projeto; então toda a vez que a gente viaja tentamos realizar algum ensaio, no ano passado a gente viajou pra Nova York e realizamos 2 ensaios lá; quando a gente foi pra Colômbia a gente fez 2 ensaios; quando a gente foi pra Argentina também realizamos, então toda vez que a gente viaja, tentamos realizar alguma coisa.
A gente até já teve a intenção de ir a Portugal também, e ficar umas semanas e focar bastante no projeto mas é algo que ainda não aconteceu, mas é uma super vontade pegar pessoas de outros países, poder abordar vivências completamente diferentes por uma questão cultural, por exemplo quando a gente entrevista alguém que nasceu em SP, é muito diferente de alguém de Belo Horizonte, que é diferente de alguém de Belém, que é diferente de alguém de Fortaleza. Então cada vez que a gente vai em uma cidade dessas, a cultura da cidade, como aquela cidade se movimenta, relaciona muito com a pessoa, com a vivência dela, com o corpo dela, então cada lugar que a gente vai abre uma possibilidade diferente de conversa, isso é muito incrível e a gente sempre tem interesse cada vez mais de fazer lugares diferentes.
Para conhecer o projeto: http://www.chicos.cc/
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