Na última semana, o ex-publicitário Maurício Carvalho, de Recife, criou uma thread no Twitter para contar sobre a primeira vinda de Madonna ao Brasil, que aconteceu em novembro de 1993. “Thread” é o nome dado para uma sequência de tweets – geralmente feita em ordem cronológica – para narrar fatos.
No início dos anos 90, chamavam de “Guerra das Cervejas” a disputa entre Antarctica e Brahma pela liderança de vendas de cerveja no Brasil. Skol e Kaiser ainda não eram vistas como grandes ameças; Bohemia, Budweiser, Heineken, Stella etc, sequer vendiam em supermercado, lembra Carvalho. As duas cervejarias não economizavam dinheiro para as campanhas: a Brahma tinha como slogan “A nº 1”, pois vendia um pouco mais que a Antarctica, cujo mote era “Paixão Nacional”.

No final de 1992, Daniela Mercury era a maior “influencer” da época no Brasil, com o hit “Canto da Cidade”. A agência de publicidade DM9, ministrada na época pelo publicitário Nizan Guanaes, tinha 15 milhões de dólares da Antarctica (de quem detinha a conta) pra gastar em campanhas durante o ano de 93. A cerveja teria como garota propagada Daniela Mercury, a nova “paixão nacional”. Mas a DM9 queria mais: no fim daquele ano, começaram os primeiros contatos com o empresário de Madonna para que ela viesse ao Brasil fazer shows. A ideia era ter rostos para a “paixão nacional” e “paixão mundial”.
Marlene Mattos, então empresária na Xuxa Produções, também tava no páreo para trazer a cantora ao país pela primeira vez. Mas foi a Antarctica que conseguiu fechar o contrato. Monique Gardenberg, da Dueto produções, foi a produtora dos shows de Madonna no Brasil. “Um dia, me liga o Nizan, na época ele tava com a conta da Antarctica, e diz: ‘Quero trazer a loira gelada’. Eu: ‘Quem é a loira gelada?’. E ele: ‘A Madonna. Dê um jeito e contrate a Madonna”.
Segundo Maurício, foi o jornalista Ricardo Boechat que soltou a primeira nota sobre a vinda da cantora ao país.

Por sua vez, Marlene fechou contrato com Michael Jackson, com qual Xuxa era amiga na época, para trazer o show da Dangerous Tour. A vinda de Michael ficou programada para acontecer 15 dias antes de Madonna.


Foi em 1º de setembro de 1993, segundo Maurício, que aconteceu coletiva de imprensa anunciando oficialmente os dois shows de Madonna no Brasil: 03 de novembro no Morumbi (SP) e 06 de novembro no Maracanã (RJ). Madonna iria trazer a turnê ‘The Girlie Show’ para a sua primeira passagem pelo Brasil.

Maurício carvalho diz lembrar que o anúncio dos dois shows de Michael Jackson no Brasil (ambos no estádio do Morumbi) foi quase simultâneo com coletiva da Madonna. Michael Jackson já estava sob acusação de pedofilia e Madonna já tinha beijando um santo negro, dançado na frente de cruzes em chamas, simulado masturbação nos shows, feito o Na Cama com Madonna (que teve um Globo Repórter só pra isso), tinha lançado o Erotica e já tinha publicado o livro “Sex” .
Rádio, TV, jornal e revistas veiculavam os anúncios dos shows. Os ingressos eram vendidos no RJ e SP em pontos físicos. A procura foi tanta que produção criou o “Disk Madonna” pra informações: (21) 275-6141 e (11) 822-8038, das 10h às 18h. O ingresso era um cartão magnético que, até então, era novidade no Brasil.

Segundo Carvalho, Madonna recebeu um milhão de dólares para os dois shows no Brasil. Além disso, patrocínio de 1 milhão e 200 mil dólares da Antarctica para o evento em si: marketing, divulgação e organização. Fora o patrocínio da Antarctica, haviam copatrocinadores.
Em outubro de 93 começaram as especulações: o que Madonna faria no Brasil, quais boates iria, os passeios, onde ela iria malhar, se ela faria sexo grupal e até mesmo foi dito que ela ficaria numa ilha em Búzios, em invés de hotel no Rio. “Tudo mentira”, conta Carvalho.

Liz Rosenberg, a assessora de Madonna, fazia a ponte com a imprensa, alimentando o noticiário. Disse que Madonna estava solteira e louca pra achar um namorado brasileiro, que sabia que o Brasil era “caliente” e que Madonna tava empolgada. Tudo a imprensa noticiava.

A comitiva de Madonna trazia 110 pessoas, a maioria vinha num boeing fretado. Só Madonna trazia 40 malas. O palco do Maracanã viria do show em Buenos Aires, o de São Paulo viria do show de Porto Rico. A turnê tinha quatro palcos idênticos.


A imprensa acabou tendo acesso a lista de exigências de Madonna: champagne cristal, velas, jogo de jantar em porcelana chinesa, talheres de prata, guardanapos de linho, linhas telefônicas para equipe e uma linha telefônica secreta para uso pessoal. Para cada show, 150 toalhas para uso da equipe e, para ela, 12 toalhas de banho, seis de rosto e quatro de mão. Também constava um umidificador, sabonetes florais e até coleta seletiva de lixo – que a imprensa considerou “exótico” na época.
A produção, no Brasil quis dar um toque “tropical/the island breeze”: o camarim era colorido, tinha palmeiras, cama toda branca e um quadro do kama sutra; ficava ao lado do oratório do vestiário destinado aos jogadores do São Paulo. O arcebispo não gostou e pediu pra tirarem a santa de lá.

Madonna chegou ao Brasil em 1º de novembro de 1993 com um avião fretado que posou no Aeroporto de Cumbica, Guarulhos. Jornalistas ficaram isolados num reservado na pista. Fãs não tiveram acesso. Madonna desceu, deu um sorrisinho e entrou num furgão.

Madonna trouxe a cozinheira particular, Jane Nivel. O hotel reservou uma parte da cozinha somente pra ela. Toda a comida de Madonna foi comprada em São Paulo e ficava separada em geladeira e despensa própria na cozinha do hotel. Madonna trouxe três seguranças particulares. Além deles, a produção brasileira colocou outros dez disponíveis 24 horas: bilíngues e praticantes de arte marcial. Wallid Ismail, chefe de segurança brasileiro, era manauara, lutador de jiu jitsu e e disse que Madonna “era muito na dela”.

Madonna saiu do aeroporto escoltada e foi direto pro Caesar Park, na Rua Augusta, em SP, onde atualmente funciona a FAM (Faculdade das Américas). O motorista contratado pra dirigir o veículo com Madonna tinha 28 anos, era bilíngue e assinou cláusula de confidencialidade, impedindo-o de falar sobre o que ouvisse dentro do carro: “Ela não dirigiu a palavra a mim uma única vez. O rádio era mantido desligado”.
Na chegada ao hotel, 600 pessoas em êxtase em frente ao Caesar Park. Pelo menos cinco meninas fizeram strip-tease; drag queens desfilavam. A atriz Mara Manzan, no prédio em frente, de topless, engolia fogo e soltava labaredas pela janela.

Quando o furgão chegou na rua, o povo enlouqueceu. Uma PM levou um soco de um fã e foi levada pra um hospital com o nariz fraturado. Houve tentativa de invasão ao hotel. No meio da confusão, um homem colocou o pênis pra fora e começou a se masturbar – foi preso e levado dali.

O carro entrou pela garagem subterrânea. Madonna foi recebida pelo gerente no elevador, que a acompanhou para destravar a porta da suíte. Por contrato, a porta tinha que ser lacrada e a chave ficaria com o gerente até a chegada dela.


A estudante Ana Paula Almeida tentou entrar correndo pelo saguão do hotel. Na segunda tentativa, foi presa. Uma travesti de 13 anos causou na frente do hotel. E ali estavam muitas drags – que naquela época, a família brasileira nem fazia ideia do que se tratava.


A suíte imperial do Caesar Park tinha 350 metros quadrados, no 16º andar, de frente pra Rua Augusta. A janela do quarto dava pra outro edifício, o que tirou certa privacidade.

No Twitter, após a thread, outros usuários também deram depoimentos. “Eu tentei ir na frente do hotel, mas tinha tanta polícia e gritaria que nem consegui descer a rua, fiquei na Paulista com o coração na boca”, conta @yallnoname.
“O hotel que Madonna ficou hoje é o prédio da minha faculdade e o quarto onde dormiu é onde são feitas minhas aulas (uma cozinha industrial). A cozinha do hotel na época preparou um mise en place para mais de mil pessoas porque acreditou que todo mundo iria se hospedar lá. Aconteceu que ninguém conseguia entrar e nem sair do hotel porque estava uma loucura na frente. Muita comida estragou e foi jogada fora. Houve muito desperdício e acredita que esse é um dos principais motivos pela falência do hotel”, conta @lacramex.


Para seguir Maurício Carvalho no Twitter: @maucarvalho
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