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Leonardo Menezes é um carioca de 44 anos que sempre foi apaixonado por cinema, muitas vezes se deslocando da Barra da Tijuca para Botafogo e Centro quando era jovem, nos tempos de faculdade para assistir filmes de arte em cinemas de rua.

O diretor do doc “Sobrevivendo a supostas perdas” sobre a trajetória da transformista carioca Lorna Washington revela através de imagens de arquivo, a arte e a militância da artista LGBT
Leonardo Menezes diretor

A paixão pela sétima arte virou profissão, e após cursar Comunicação na UFRJ, ele começou a estagiar em produtoras de cinema e emissoras de TV, o que lhe garantiu um repertório para aprender as diferentes formas de criar narrativas audiovisuais, principalmente documentários que mostram histórias incríveis de personagens reais. É o caso da veterana transformista carioca Lorna Washington que através das lentes e sensibilidade de Menezes deu origem ao documentário “Lorna Washington – Sobrevivendo a supostas perdas”.

Como surgiu a ideia de rodar um documentário sobre a Lorna Washington?

Eu conheci a Lorna como quase todo mundo que a viu pela primeira vez: no palco! Acho que foi ela se apresentando na Turma OK ou na balada que a Adriana do Dama de Ferro tinha no Centro, levado pelo Rian, que também dirige o filme comigo. Eu lembro que quando eu a vi pude de cara notar o profissionalismo e o talento dela conduzir o show ao vivo ao mesmo tempo com humor e sagacidade. Me impressionou a rapidez que ela tem ao interagir com público no tom cômico certo, sem perder a elegância e também abordando questões tão importantes pra comunidade LGBTQI+ como a prevenção às ISTs e HIV. É nítida a percepção de seu discurso procura sensibilizar os mais diversos grupos LGBTQI+ pra necessidade de nos unirmos na luta pelos nossos direitos.

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O Rio de Janeiro possui várias artistas transformistas veteranas, por que escolheu a Lorna?

A Lorna consegue ter um discurso que ao mesmo tempo é sagaz, preciso, engraçado, conscientizador e ativista, além de homenagear várias das fases dos shows de transformismo ao longo das décadas. Ela consegue ser versátil e sempre ter muito glamour, indo do samba às grandes divas da música europeia e norte americana. O fato dela conseguir ter uma rede de fãs que a acompanha há muitos anos e que celebram o seu trabalho e o seu talento, inclui o reconhecimento de sua luta nos movimentos sociais pelo trabalho voluntário que ela faz junto à população LGBTQI+ vulnerável, distribuindo cestas básicas, participando de eventos de conscientização e prevenção ao HIV, e sendo inclusive reconhecida pelo poder público como a homenagem que ela recebeu na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.

Qual a razão do título do documentário “Sobrevivendo a supostas perdas”?

O subtítulo do filme vem de uma peça que ela montou para justo após passar por múltiplas cirurgias devido a complicações da diabetes no seu pé. Essa peça foi uma forma dela conseguir superar a depressão e reconhecer a força que ela mesma teve de ter para poder manter seu trabalho. Usou criativamente toda a dor e o sofrimento que teve nos hospitais como uma forma de superação. Transformar isso em uma obra artística mostra a potência de Lorna dentro e fora dos palcos.

Durante o processo de filmagem do documentário, o que mais te chamou atenção a respeito da Lorna?

Lorna Washington é um personagem que emana uma personalidade muito forte, dizendo na lata o que está pensando, que sempre se coloca sabendo usar seu talento, tendo o reconhecimento do público por sua trajetória artística. Me chamou atenção o fato dela ser ao mesmo tempo super exigente com relação ao profissionalismo do ofício dos palcos, querendo o comprometimento da equipe para que tudo saia perfeito. Sua exigência era grande a ponto de chamar atenção de quem quer que fosse que não fizesse um bom trabalho junto com ela. E notei que o humor que ela traz para os palcos, ela também leva pra vida fora deles, mantendo sempre o ânimo mesmo quando se via afetada pela sua condição de saúde. Poder registrar em câmera o começo do uso das sandálias quando já não podia usar salto alto até os apoios ortopédicos que ela precisa hoje para se locomover mostra a garra de um profissional que nunca se deixou abalar por limitações do corpo, transformando sua arte em uma forma de reafirmar a sua garra.

Lorna nos palcos

O doc é rico em imagens de arquivo, foi difícil achar esse material? Como você o conseguiu?

Lorna está nos palcos desde os anos 80 e esse clima está no filme graças ao seu acervo pessoal e de vários amigos e seguidores que mantém o acervo de várias de suas apresentações em diferentes momentos da carreira. Lorna também teve sua arte retratada em reportagens na TV e nos jornais ao longo dos anos. Curioso quando você consegue acompanhar um personagem por tanto tempo e vai conhecendo pessoas do seu universo que chegam até a gente e oferecem material ou conhecem alguém que tem vídeos gravados de Lorna. Denilson, da produção do doc, conectou o filme a pessoas que já a acompanham há tempos. Poder contar com as imagens históricas foi essencial para mostrar a relevância da presença de Lorna em diferentes grupos de direitos humanos e sua luta para conscientizar e unir vários grupos da comunidade LGBTQI+.

Entre pesquisa, pré-produção, filmagem, edição…quando tempo levou? Há inclusive um depoimento da Rose Bombom (já falecida).

Esse tem sido um dos projetos mais longos dos quais já participei. Eu e Rian estamos há quase 10 anos gravando com Lorna, mostrando como ela emana sua resiliência e sua garra por meio da sua arte e atuação social. Desde os primeiros momentos quando ela deixou o salto alto e começou a usar sandália por conta do efeito da diabetes no pé, e mesmo com a evolução do seu quadro de saúde para momentos sensíveis, ela sempre se manteve ativa nos palcos, nas passeatas e manifestações pelos direitos humanos e LGBTQI+. Foi muito rico ter a participação no filme de diferentes personalidades como as saudosas Rose Bombom, Luana Muniz e Rogéria; a diva Alcione, Milton Cunha, Paulo Gazelle, Almir França entre muitos outros que fazem parte do grupo que reverbera as mensagens de Lorna em várias direções e reconhecem o impacto que traz na vida de muitos.

Reprodução

Lorna foi uma das primeiras artistas da cena gay a falar nos palcos sobre o HIV, qual a importância dessa iniciativa na sua opinião? Inclusive ela fala sobre isso no doc.

Lorna percebeu que as notícias do avanço do HIV logo no início da década de 80 não estavam conseguindo conscientizar boa parte do público que a aplaudia nos palcos. E enxergou na arte uma forma de tocar as pessoas para a importância de nos unir enquanto comunidade e exigir da sociedade o apoio pelos direitos dos portadores do HIV. Com seu talento, ela busca transformar o estigma, criando um senso de pertencimento, destacando essa pauta dentro e fora da comunidade LGBTQI+.  O poder dessa mensagem continua atual e necessário, fazendo com que o trabalho da Lorna se destaque pela competência com que interpreta canções, faz seu público rir e conhecer um pouco mais sobre a importância da prevenção às ISTs.

Quando será lançado o documentário?

Transformamos a versão média metragem de 2016 em um documentário longa-metragem que queremos lançar em 2020, um ano que tem sido particularmente difícil para a cultura, especialmente para filmes que tratam de temas relacionados à diversidade sexual. Estamos em negociações com canais pagos para o lançamento inicial do documentário, e posteriormente disponível no formato sob demanda. É uma felicidade imensa para mim, Rian e toda a equipe poder lançar o resultado de tantos anos acompanhando Lorna finalmente chegar para o grande público do Rio de Janeiro e do Brasil.

A área da cultura passa por um período nebuloso atualmente, aliado a situação da pandemia. Alguma chance do documentário ser exibido em alguma plataforma de streaming como Netflix?

É o nosso desejo  que o documentário possa alcançar diferentes plataformas internacionais e mostrar a vida e a luta de Lorna para além do público LGBTQI+. Se identificar com uma trajetória tão única como a de Lorna Washington (e Celso Paulino que encarna o personagem) mostra a diferença que ela fez e faz com o seu trabalho na vida de milhares de pessoas que a acompanham. Mesmo agora em tempos de pandemia, Lorna continua fazendo lives semanais em seu perfil no Instagram. Vale assistir!

O diretor do doc “Sobrevivendo a supostas perdas” sobre a trajetória da transformista carioca Lorna Washington revela através de imagens de arquivo, a arte e a militância da artista LGBT
Reprodução

A Lorna esteve muito presente na noite gay carioca nas décadas de 80 e 90, assim como a saudosa Laura de Vison (1939-2007). Lorna e Laura me soam antagonistas, em que ambas com muito bom humor mostravam – uma o glamour e a outra o trash. De todo modo, revela um período muito rico e variado na noite gay carioca que há tempos não existe mais. Seria culpa da internet?

Tanto Lorna quanto a inesquecível Laura de Vison mostram a versatilidade e a diversidade de performances que a cena transformista carioca tem há décadas. Claro que novas referências surgem e mesmo com a influência das cenas drag e queer mundiais na noite carioca gay, Lorna segue participando de diferentes eventos. Afinal, seu talento faz sua arte chegar a diferentes faixas etárias. Talvez a diferença com parte dos jovens que se inspiram mais nas drag queens norte-americanas é que a escola da Lorna vem dos longos ensaios das transformistas das décadas de 70 e 80, mais próximas do palco dos teatros, que naquela época abrigavam shows de transformistas. O ofício da Lorna foi sendo esculpido ao longo de anos de aprendizagem no convívio com diferentes artistas que a antecederam ou trabalharam com ela, como Rogéria. Esse tipo de performance referenciada no teatro, pela exigência de uma interpretação tecnicamente apurada, é difícil de encontrar nas drags e transformistas mais jovens. A visibilidade na Internet é importante mas penso que, na arte, tudo começa com talento e dedicação.

Você também dirigiu o doc “Filha da Lua” sobre a transexual Luana Muniz, que foi muito bem recebido pela crítica e público, como foi essa experiência?

Conheci Luana Muniz através de Lorna Washington. Luana sempre me chamou atenção assim como a de Rian, que também dirigiu os dois filmes comigo. Luana sempre se fez notar em sua atuação social e influência política, exigindo respeito com relação às travestis. Pra mim, foi importante perceber a vitalidade de uma pessoa que fez de si a sua maior criação. Um universo fabuloso que boa parte dos espectadores ainda não tiveram acesso. Estamos aguardando recursos públicos para podermos levar a história de Luana Muniz para os cinemas, TV e diferentes plataformas audiovisuais, mostrando a força dos artistas LGBT brasileiros, algo que o público de festivais de vários Estados e alguns países já puderam presenciar. O trabalho comunitário e de conscientização que Lorna e Luana fizeram por anos me traz essa curiosa ponte entre duas pessoas que unem talento com a vontade de fazer a diferença na comunidade LGBTQI+ e na sociedade.

Quais são seus próximos projetos?

Estou terminando de produzir uma experiência em realidade virtual sobre a Amazônia e já trabalhando em outro projeto audiovisual 360° sobre mudanças climáticas no Brasil. Eu e Rian também trabalhamos em novos projetos de documentário sobre a relação entre artistas jovens e experientes na cena carioca queer dos últimos anos. Também comecei a fazer gravações sobre um projeto documental sobre refugiados ambientais, que deverá se tornar a principal causa de refúgio no mundo. De certa forma, me interessam personagens que estejam numa posição vista por alguns como vulnerável mas possuem ao mesmo tempo uma potência de chamar nossa atenção e a do público para a necessidade de políticas públicas que garantam a segurança e o bem-estar básico de diferentes grupos que foram ou seguem sendo marginalizados. Dar vez e voz a eles é algo que faz parte do que me orienta enquanto um narrador de histórias, independente do formato.




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