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Charm Mone (25) nasceu em Missal, no Paraná, uma cidade pequena com um pouco mais de 10.450 habitantes, segundo dados do IBGE. Aos 13 anos, ela já sabia que não pertencia ao gênero masculino e, dois anos mais tarde, já estava vivendo a sua verdadeira identidade, sendo “ela mesma”, como sempre se sentiu, mostrando que gênero vai muito além de roupas e sim à forma como a pessoa se sente.
O envolvimento na indústria da música e entretenimento abriram as portas para Charm mostrar o seu talento como cantora e compositora longe do país, longe do preconceito e dos olhares de reprovação. Em 2015, ela trocou o Brasil pela Alemanha, mais precisamente por Berlim, onde a cena queer é ampla e popular. Apesar do individualismo do povo alemão apontado por ela, a cantora ressalta que há normalidade em poder expressar seu gênero da forma como realmente é.
Em um bate papo exclusivo para o GAY BLOG BR direto de Berlim, a cantora/compositora de traços andróginos fala sobre preconceito, os desafios da comunidade trans no exterior sendo uma estrangeira, além de outros assuntos.

O que te levou a trocar o Brasil pela Alemanha?
Inicialmente foi meu trabalho que me trouxe aqui. Por um ano meu foco esteve entre uma residência artística e colaborações que foram surgindo ao longo do minha trajetória. Quando percebi estar movendo meu trabalho e tendo experiências mais de acordo com meus interesses, decidi migrar.
É verdade que aos 13 anos, você já sabia que era trans?
Sabia muito antes, acho que desde que entendi ter um corpo, mas o vocabulário e experiência começaram a fazer sentido a partir dessa idade.
Quais são suas recordações da sua infância no Brasil?
Um tanto quanto turbulentas. Quando fui mandada embora de casa, aos 15, tudo começou a melhorar.

Como foi o início logo que você chegou em Berlim? E porquê Berlim?
Foi divertido, sempre difícil, mas aprendi desde cedo a navegar o limbo com prazer. Tive muita sorte de conhecer pessoas incríveis que me deram oportunidades chaves de mostrar meu trabalho e aos poucos melhorar minha realidade, comparando com meu histórico no Brasil. Berlim foi um presente, quando eu recebi o prêmio do MinC em 2014 (que facilitou o processo de residência artística) eu mandei projetos pra todo canto, e em Berlim estava a única galeria que aceitou minha proposta. Aí, sem pensar muito, me joguei! E aqui estou (risos) reconstruindo minha narrativa e vida.
E como a comunidade trans berlinense te recebeu?
É complicado falar sobre isso, eu não sinto que na Europa exista uma rede tão forte e presente quanto a comunidade trans e travesti do Brasil. A normalidade daqui faz com que a necessidade de estar junto se reverta, e aí comunidade vira outra coisa. Fui certamente acolhida pela comunidade negra, imigrante e refugiada. A classe artística também me acolheu; mas mesmo assim, a ideia de individualidade é muito forte, e você sempre acaba se virando sozinha.
Você já vivenciou alguma situação envolvendo preconceito na Alemanha?
Várias! Em qualquer lugar do mundo você encontra pessoas que não tem o que fazer…

E no Brasil?
Também! Meu último trabalho, quando ainda na faculdade, me levou a perseguição de grupos de extrema direita/neonazis do sul do Brasil mas também de professores e outras figuras institucionais. Foi o que me levou a procurar alternativas de deixar o país já em 2014.
Há muitos imigrantes vivendo em Berlim, ao mesmo tempo que a cidade é muito cosmopolita, avançada em termos de entretenimento, liberdade, etc. Como é essa convivência com as pessoas de outros países muitas vezes de uma cultura mais fechada e até homofóbica?
É interessante. Ao mesmo tempo que te proporciona experiências bem estranhas, te mostra o quão iguais nós podemos ser. Principalmente, quando se trata das trocas entre diversas gerações afrodiaspóricas e dissidentes que acabam se encontrando e trocando por aqui. A notícia ruim na real é que a performance do macho escroto existe em várias línguas (risos). Eu sou muito a favor das misturas e trocas culturais. Em Berlim em si, a maioria das culturas que se mesclam, infelizmente acabam cultivando resquícios de um comportamento opressor, e isso é muito triste de vivenciar. Mas também, aqui na Alemanha, temos direitos que até certo ponto são respeitados, e uma noção de espaço individual incrível, então esse ejó (confusão na língua africana Iorubá) todo de preconceito tem limite, entende!? Cada um vive sua vida, e ponto.

Na sua opinião, o que o Brasil tem a aprender com a Alemanha quando o assunto envolve a liberdade de pertencer a um gênero que nós quisermos?
Muito! Tanto os que habitam o poder, quanto a população em geral, deveria se inspirar na forma com que as pessoas aqui encaram e priorizam a expressão, a independência e o quão bom é to mind your own business (cuidar da sua vida). No fim, é mais sobre você ter a liberdade e o suporte (político, social e cultural) de ser e estar, e logo cultivar uma sociedade mais inclusiva e de bem com a vida, do que necessariamente algo relacionado apenas com o gênero. Afinal, ser quem você realmente é, acaba por ajudar o sistema como um todo; digamos que um conjunto de pessoas felizes e de bem consigo acaba contribuindo muito mais para um futuro promissor do que uma sociedade baseada no cu preso, nos armários da vida, no julgamento desnecessário e etc.
É um assunto bem extenso ao qual eu ainda estou aprendendo, mas acredito muito que a partir do momento em que o Brasil se tornar antirracista, dar um basta no fanatismo por religiões e práticas que se baseiam na culpa e opressão, e logo, se tornar menos ignorante; entender que o American Dream (cafona) que a classe média e alta ainda cultivam já não existe mais, e que sim nós existimos em nossas mais diversas potências e formas, e que isso é a realidade mais viva do futuro; a vida de todos, principalmente de pessoas transgêneras vai melhorar, e muito.
Você é cantora, acredita que o seu trabalho é melhor aceito na Europa do que no seu país de origem?
No começo acreditei que sim, a base conceitual do meu trabalho estava sempre conversando com as demandas e trocas daqui, mas desde que lancei meu EP, em março desde ano, tenho percebido uma aceitação calorosa e muito linda vindo do Brasil. Acredito estar mais alinhada com ambos no momento.
E como se deu o seu debut no mundo da música?
Meu debut foi independente, suado e um longo processo que durou três anos, envolvendo muito afeto e dedicação de pessoas que aceitaram a missão de colocar o extended play no mundo, disponível para todos vocês. E mesmo trabalhando na indústria há um bom tempo (escrevendo pra outros artistas, ou performando como backing vocal), tive muitos receios ao expor minha musicalidade. Fiquei muito feliz por ser aceita e acolhida em vários lugares, e mesmo com o covid atrapalhando meus planos de me tornar uma superstar neste ano (risos) fico feliz em saber que este trabalho ainda vive.

E em termos de relacionamentos amorosos, você notou diferenças também entre o alemão e brasileiro?
Nossa, muitas (risos)! Prefiro manter esse departamento da minha vida focado na América Latina.
Há um tempo atrás entrevistei uma trans brasileira que vivia do mercado do sexo e em Paris após um tempo, realizou um sonho de se tornar atriz. Você acredita que a Europa seja uma terra de oportunidades para as pessoas trans desenvolverem suas habilidades e talentos?
Até certo ponto, sim. Ainda existe muito trabalho a ser feito pela comunidade global com relação à inclusão e levante da comunidade trans. Porém, sim, existem muitas oportunidades pois aqui, muitas vezes, se enxerga para além do gênero, e logo, o tema gira em torno de como você e sua prática (de modo geral) podem contribuir com suas comunidades locais.

Qual conselho você daria para uma pessoa trans que vive no Brasil em um ambiente opressor?
Não esqueça que a opressão é apenas uma das realidades possíveis para sua história, e ela foi imposta, ou seja, raramente te pertence. Você pode sim, e tem o direito de reescrever sua própria narrativa.
De que forma podemos conhecer melhor a Charm Mone?
Meu EP está disponível em todas as plataformas digitais, meu clipe lindo de lançamento está no meu canal do Youtube (please se inscrevam!) e eu amo a Ventura Profana.
Para acompanhar no Instagram: @charmmone
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