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“Conselhos que Ninguém Pediu” é o livro de estreia da drag queen Miranda Lebrão, que conta suas histórias em curtas crônicas. Infância LGBT+, crises de família, incidentes ao longo do caminho; tudo é material para os causos que Miranda costura no tecido do seu tempo.
De forma despretensiosa, essa reunião de crônicas convida a todos para uma breve viagem nas memórias da autora. É uma homenagem a quem foi uma criança afeminada, um adolescente perdido e um adulto com pouco traquejo como ela mesma se descreve.
O texto original foi escrito para um monólogo que teve estreia cancelada devido a pandemia do Covid-19. O projeto foi então reformulado para virar livro. Disponível unicamente em formato digital.
Conversamos com Miranda por e-mail:
“Conselhos que ninguém pediu” é um título hilário, como surgiu a ideia de escrever o livro/E-book?
O livro nasceu de uma adaptação do texto que escrevi originalmente para uma monólogo. Com a necessidade de cancelar a estreia por conta da pandemia, adaptei o texto para poder, de uma forma nova, compartilhar as histórias. Foi uma forma de fazer o projeto acontecer e oferecer mais uma produção para o público LGBT que me segue. É um projeto cheio de memórias pessoais e por isso cheio de carinho.
A obra reúne suas histórias pessoais através de crônicas, seria isso?
Isso mesmo! É uma reunião de crônicas com passagens da infância ‘viada’ com muitas referências dos anos 90, histórias de família e de causos acontecidos na estrada a trabalho. Por algum motivo eu reúno muitas histórias esdrúxulas e peculiares. Com o livro eu dou uma releitura mais engraçada a elas.
O livro foi escrito pela Miranda Lebrão, entretanto ele reúne histórias do passado dela, ou seja do criador da criatura.
No meu ‘fazer drag’ não há muito separação entre meu histórico pessoal e o da figura pública. Tudo o que eu já vivi formou o trabalho que eu faço hoje em dia, e o trabalho também vai moldando meu caminho pessoal. É um vivência meio “Dark”, a série da Netflix, em que eu moldo a drag e a drag, em troca, me molda também!
Como foi a infância da Miranda quando era apenas um menino descobrindo a própria sexualidade?
Eu tive uma infância muito privilegiada, apesar de ter sido bastante normativa. Não fui criada levando em conta minha existência queer. Fui um menino afeminado, que sofreu aqueles preconceitos bastante comuns quando inserido numa cultura heteronormativa compulsória. Passei a encontrar representatividade quando vi, na TV, figuras como Elke Maravilha, Jorge Lafond, Nany People e tantas outras que desafiavam questões de gênero e de expressão. Cresci me enxergando nessas figuras. E até hoje sou muito grata a essas estrelas que me apontaram o caminho de uma vida dissidente do ‘padrão’. A infância foi muito além da descoberta da sexualidade. Foi uma descoberta também para questões de gênero e de expressão.
Falando um pouco sobre a sua carreira, você é drag queen há 5 anos, no entanto, em pouco tempo você ganhou destaque vencendo o concurso de drags produzido por Leandra Leal no Teatro Rival Refit. Como foi esse evento?
O Teatro Rival, que tem um palco histórico, é minha porta de entrada. O espetáculo ‘Rival Rebolado’ foi durante alguns anos uma grande celebração ao teatro de revista, à arte burlesca e ao transformismo. Um grande desbunde que aconteceu na Cinelândia, centro do Rio. Junto ao espetáculo acontecia um concurso de drag queens. Eu ganhei o concurso de 2017. Foi uma temporada incrível que eu pude mostrar diversas performances e facetas do que eu fazia como drag. Sempre vai ser um momento especial para mim. No palco do Rival já estiveram Rogéria, Jane de castro, Dercy Gonçalves, Elza Soares e Cássia Eller. É maravilhoso saber que ali também fiz história. E do concurso eu ganhei mais que o título. Foi ali no Rival que conheci Uhura Bqueer, Shenna Meneghel, Marco Chavarri, Dadado de Freitas… Pessoas que de muitas formas agregam muito ao meu fazer artístico.
Após isso, você ganhou o título Drag Queen Brasil no Festival Milkshake (em São Paulo), foi também um tipo de concurso? E como foram os critérios de avaliação?
O Milkshake foi outro grande momento. Depois de uma seleção nacional, por voto popular, eu e mais 4 drag queens fomos performar no palco drag do festival, em 2018, onde também acontecia uma espécie de dragcon, celebrando a memória da arte drag no Brasil. A vencedora foi escolhida por um painel de juradas: Ikaro Kadoshi, Rita Von Hunty, Penelopy Jean, Salete Campari e nossa grande diva Miss Biá. A votação foi unânime e assim ganhei o título. Para mim foi uma noite memorável!
E como foi a experiência de participar do Milkshake de Amsterdam em 2018 e levar a sua arte para fora do país?
Surreal! Eu achava tudo surreal! Poder viajar para outro país, levando comigo todo esse histórico de conquista foi arrebatador. Afinal de contas eu sou uma pessoa que conta histórias, com uma peruca na cabeça e uma quantidade considerável de maquiagem na cara. Quando eu achei que isso fosse me levar para tão longe? Nunca. Mas aconteceu! O Milkshake de Amsterdam foi como receber um presente. Além disso, cachê em euro é de colocar sorriso no rosto de qualquer uma!
Em 2019, você esteve em cartaz com o show Transformistas Medicadas, em que foi uma das roteiristas além de performer. Eram esquetes de humor? Toda drag queen é de certa forma uma atriz na sua opinião?
O Transformistas Medicadas é um projeto de puro deboche, que nasceu na troca de idéias entre amigas. O primeiro show, que ficou em cartaz em 2019, era composto por 14 performances, 4 drags (Shenna Meneghel, Maybe Love, Linda Mistakes e eu) e muita correria. Nesse show todas fizeram um pouco de tudo, desde o roteiro até a iluminação do show. Penso que toda drag queen pode ser muitas coisas, inclusive atriz. Drag é possibilidade.
Você possui uma relação muito próxima com o carnaval carioca, poderia falar um pouco mais a respeito?
Minha relação com o carnaval é de admiração e fascínio. Alegorias gigantescas, plumas e paetês: receita certa para atrair a atenção de qualquer drag! Os enredos das escolas de samba são grandes fontes para pesquisa. Eu sou uma eterna aficcionada por figurinos e estou sempre de olho nessa imensa indústria que é o carnaval. Esse ano eu tive a oportunidade de fazer parte da equipe de produção dos figurinos da comissão de frente da Beija-Flor de Nilópolis. Que orgulho tive ao ver no desfile peças que passaram pelas minhas mãos.
Você também tem desenvolvido um trabalho relacionado a palestras ligadas a causa LGBT, não é?
Tenho tido a oportunidade de falar sobre alguns assuntos, principalmente ligados à infância LGBT, terapia de conversão (a famigerada cura gay) e questões de gênero dentro da construção da arte drag. São pautas que se interseccionam com a minha trajetória.
Ao reviver as memórias da autora, podemos dizer que a Miranda teria mais motivos para rir ou chorar?
Ambos! Os dois são necessários. São recursos humanos indispensáveis. Não deixo passar a oportunidade de rir, assim como não nego o choro. As vezes faço até tudo junto. Com o tempo a gente aprende que nada está tão ruim que não possa piorar. A saída está em rir e chorar da própria caminhada e fazer o que é mais revolucionário para uma vida LGBT: EXISTIR! Fica aí meu conselho (que eu sei que vocês não pediram).
E como era ser uma criança afeminada, um adolescente perdido e um adulto com pouco traquejo como você mesma se descreveu?
Eu ainda sou tudo isso! E é ótimo (na maior parte do tempo). Ser uma criança afeminada me permitiu crescer sem aquela barreira afetiva que a cultura heteronormativa sempre sugere. Aprendi a ser alguém que demonstra afetos, abraços, beijos sem medo do julgamento. Ser um jovem meio perdido é quase que definir a juventude, não é? Poucas certezas e muitas experimentações. E hoje em dia eu vivo sem precisar provar que tenho tudo sob controle. Não tenho essa ilusão de querer parecer alguém que sabe exatamente o que está fazendo. A vida às vezes capota, e eu capoto junto. Por isso estou sempre fazendo algo. Estou sempre testando, tentando, e muitas vezes me fudendo! Não sou alguém que já entendeu a vida, e está tudo bem pois acho que ela ainda não me entendeu também.
A Miranda Lebrão é uma drag queen daquele tipo que sempre vê humor em tudo mesmo quando nada parece soar engraçado?
Eu amo dramas. São sempre mais interessantes. E no fundo as imagens, histórias e performances que produzo sempre tem um fundo dramático, mesmo que seja através de uma graça. A comédia surge por causa das pessoas. Quem ri são os outros. Eu estou, na maioria das vezes, só contando a história. E claro, há um limite. Não é porque alguém está rindo que aquilo é piada. Não vejo nada de revolucionário em fazer manutenção de preconceitos e opressões através da comédia, assim como não há nada de inovador no humor autodepreciativo, segunda a norma do padrão. Eu costumo rir de mim mesma para poder ressignificar minhas histórias e me tornar mais potente.
O texto original estava pronto para ser um monólogo que teve que ser cancelado em função da pandemia, você mesmo encenaria a peça teatral?
Eu queria que a Hebe fizesse a peça, mas por motivos óbvios não iria rolar. A Anne Hathaway não retornou meus contatos. Sendo assim eu mesma iria fazer o monólogo. E espero poder fazê-lo muito em breve.
Foi devido ao cancelamento que surgiu a ideia de fazer o e-book não é?
Basicamente sim. A ideia de um livro já estava sendo discutida. Quando houve o cancelamento da estreia, uma coisa se fundiu com a outra. Tivemos que fazer várias adaptações e mudanças mas o resultado final foi como o esperado: um livro simples, curto, muito pessoal e divertido (segundo me disseram).
Aliás sobre a pandemia, de que forma ela te afetou? Muitos artistas da noite estão passando por sérias dificuldades financeiras em função do isolamento social.
Eu lamento tirar essa responsabilidade do COVID mas artista em dificuldade financeira antecede a pandemia. Quem ganha dinheiro aos montes são celebridades. Os artistas locais estão sempre rebolando para conseguir viver. Meu maior impacto foi no atelier que tenho para produção de headpieces e adereços. Os dois primeiros meses foram mais difíceis, e agora começam a surgir sinais de melhoras. É do DNA da drag queen saber se reinventar.
Como reagiu quando soube que o ebook estava entre os 30 mais vendidos da Amazon na categoria crônicas e entretenimento?
Eu mandei uma mensagem para o Gregório Duvivier: “Chupa essa, parceiro! Meu livro tá na frente do seu”. Só que não durou muito tempo! Mas seguimos entre os 100 mais vendidos da categoria e eu fico feliz de verdade! Me sinto muito honrada quando alguém escolhe gastar tempo e dinheiro com o meu trabalho. E se o livro chegar a número 1 da categoria pode ser que eu exploda de orgulho!
Qual é a primeira coisa que a Miranda Lebrão pretende fazer quando a pandemia acabar?
Vou no mercado comprar várias coisas e ao chegar em casa não vou lavar nada. Ah, e quero voltar para os palcos também!
Para acompanhar Miranda nas redes sociais:
Facebook: https://www.facebook.com/miranda.lebrao.1
Instagram: @miranda_lebrao
Para comprar o livro, acesse aqui.
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