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Algumas semanas atrás, fui a um dating com uma pessoa do Tinder. Meu ‘match’ tinha um perfil no app com fotos perfeitas, nas quais, em uma estava de caiaque sem camisa, revelando um abdômen cuidadosamente esculpido e, em outra, estava viajando para os mais diversos cantos da Terra – e você imagina que, pelas fotos, ele estava simplesmente curtindo a vida ao máximo. Ele frequentou uma escola da Ivy League e tinha um emprego. Em seu perfil no Tinder, escreveu que acreditava na monogamia e que estava procurando um relacionamento duradouro. Depois de algumas trocas de mensagens, planejamos um encontro. Eu estava animado para conhecê-lo.

Quando eu apareci no Dolores Park (parque de São Francisco, Califórnia), onde tínhamos combinado de nos encontrar, me senti dentro de um episódio de “The Bachelor”. O cara armou uma tenda ali no meio do parque para me receber. Havia estendido uma toalha enorme sobre grama, a qual havia copos de vinho, uma garrafa de rosé gelado e uma porção de queijos, pães, azeitonas e nozes. Parecia que ele passou horas preparando. Ele trajava bermuda e camiseta justa, camiseta esta especialmente desenhada tornear seu corpo, de modo a fazer você se perguntar o que seria necessário para tirá-la. Cruzamos os olhos e ele sorriu para mim. Nos abraçamos. Fui imediatamente tomado por seus gestos românticos, que, agora pensando bem, me parecem um pouco mais manipuladores do que meus olhos estrelados queriam ver naquele momento. Naquela hora, eu estava confiante de que seria uma experiência memorável, mas, gente, eu estava errado. Eu nunca tinha passado por um love bombing* em um primeiro encontro.

Eis como foi: conversamos por um tempo e, depois de falar bobagens e contar um pouco de nossas experiências de vida, perguntei a ele quais eram as características mais importantes que ele procurava em um parceiro. Ele disse que eram, em ordem de importância: inteligência, muito alto e não-circuncidado. Eu sou um cara inteligente, não sou muito alto e fui circuncidado quando nasci. Acho que não atendi aos critérios dele. Enquanto ele continuava falando, me dizendo coisas do como o quanto não gostava de tatuagens, do que não gostava de seus ex-namorados e de como ele queria ter um relacionamento sério e ter filhos, eu desesperadamente bebia cada vez mais aquele vinho rosé. Até que chegou o momento em que me disse abruptamente que não nós estávamos em nossa melhor forma física e que eu deveria ir embora.

- BKDR -
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Insisti no cara, falando de como a nossa comunidade às vezes pode ser cruel com estereótipos, mas ele já não estava me ouvindo. Minha tentativa de confortá-lo parece que despertava nele uma tamanha grosseria da qual, mesmo após sua rejeição inicial, eu não esperava que ele fosse capaz.

Notei a imagem de fundo em seu smartphone: uma foto de uma pintura a óleo de si mesmo! Eu perguntei a ele sobre isso, mas isso só o enfurecu ainda mais. Eu estava expondo-o para o verdadeiro narcisista que ele era. Abandonei a barraca e, em seguida, vaguei pelo Dolores Park antes de ir para o meu bar favorito, um estabelecimento mexicano alternativo no Mission District, onde encontrei um pouco de consolo flertando com o barman hétero bonitinho e bebendo algumas margaritas. Eu não conseguia deixar de sentir a sensação de que eu era um fracasso. Eu tinha sido jogado pra fora da barraca do dating. Fiquei pensando no que deu errado nesse encontro do Tinder ou o eu poderia ter feito para que o encontro tivesse um final diferente. Desde que isso aconteceu, amigos e conhecidos tentaram me confortar com histórias semelhantes de rejeição – lugar diferente, hora diferente, idiota diferente. Saber que não estou sozinho me ajudou a tocar o barco, mas isso não diminuiu o trauma daquele encontro horrível.

Em uma noite, fui ao Tindervention, um stand up comedy onde vários comediantes desabafam no microfone suas histórias pessoais de horror usando aplicativos de namoro como o Tinder (o fato desses aplicativos inspirarem uma noite inteira de comédia deve dizer algo sobre o absurdo de usá-los). Enquanto eu estava sentado lá, eu pensava o tempo todo que minhas histórias de Tinder talvez fossem até ‘melhores’ do que muitas as ali contadas. Mas a ironia ainda maior naquela noite, infelizmente, foi que eu estava em outro encontro com um novo boy do Tinder. Tínhamos planejado nos encontrar na frente do teatro. Eu comprei os ingressos para o show ali antecipadamente. Ele apareceu quase uma hora atrasado e saiu imediatamente depois que acabou o stand up porque tinha trabalho a fazer. Suspiro.

Na minha opinião, aplicativos como o Tinder foram a pior coisa que aconteceu com o romance. Quando estou no Tinder, tudo o que sinto é desespero e solidão. É incrivelmente triste. Converso com pessoas que parecem conter dentro de si um portfólio mental de todas as coisas terríveis que outros homens lhes fizeram, offline e online. Os aplicativos de namoro essencialmente tornam nossos relacionamentos descartáveis. Inconscientemente, nos forçam a fazer julgamentos rápidos sobre outras pessoas com base apenas em algumas fotografias. A experiência de usar aplicativos de namoro pode nos dessensibilizar e nos emburrecer. Usar Tinder, Hinge ou Bumble é quase como jogar videogame. A gente não trata uma ‘coleção muda e impensada de pixels’ com humanidade, assim como não precisamos flertar com o Pac-Man. Se você pode se relacionar com minhas experiências pessoais usando aplicativos de namoro, provavelmente também reconhece como esses aplicativos têm um impacto negativo sobre nós também no mundo analógico. Ghosting* e love bombing* estão cada vez se tornando situações comuns.

Na comunidade gay, o ghosting é particularmente comum e, naturalmente, os homens gays relatam ser mais infelizes com a vida de namoro. Isso pode ter várias outras causas (especialmente considerando que gays crescem com bullying, intolerância e rejeição), mas Grindr certamente não está ajudando. Eu nunca instalei ou usei o Grindr, mas muitos gays o tratam como um controle remoto para uma noite só. É tão fácil transar com o Grindr quanto pedir comida para viagem. O Center of Humane Tech classificou o Grindr como o primeiro na lista de aplicativos populares de celular que tornaram as pessoas mais infelizes.

Obviamente, a correlação não implica causalidade. Somos gays infelizes por causa do Grindr ou apesar do Grindr? Em muitos países onde não é seguro ser abertamente gay, aplicativos como o Grindr desempenham uma função importante como um espaço seguro para que pessoas estranhas se reúnam. E quando você pensa em todas as pressões de ser gay, mesmo em uma sociedade como a nossa, onde recebemos algumas liberdades e proteções, não é difícil ver como podemos internalizar parte do ódio que percebemos do lado de fora. Não é difícil entender por que podemos ter baixa auto-estima. Pode ser controverso dizer isso, mas a verdade é que homens gays geralmente não são bons um com o outro. Frequentemente julgamos um ao outro pelas aparências e, às vezes, nos objetivamos, usando um ao outro para drogas e sexo. “Aceitamos o amor que pensamos que merecemos”, diz o personagem Bill a Charlie no filme As Vantagens de Ser Invisível.

Dentro de um certo subconjunto da comunidade gay (estou pensando especificamente em homens gays millennials, principalmente brancos, que vivem nas grandes cidades), existem certas normas e expectativas sobre sexo e relacionamentos que servem para reforçar alguns desses comportamentos destrutivos. Quando saímos para um encontro, a expectativa é sexo, e se não o temos, acabamos nos sentindo um fracasso. Quando se trata de relacionamentos, esperamos um nível de abertura. Não é incomum que uma terceira pessoa entre em um relacionamento apenas por diversão ou talvez por algo mais. Estudos mostram que casais em relacionamentos monogâmicos têm vidas sexuais mais satisfatórias do que casais em relacionamentos abertos.

Relacionamentos e namoro são difíceis; eles precisam ser trabalhados. Quero que as pessoas se esforcem para cumprir seus compromissos, não para satisfazer seus egos. Lembro-me de uma citação de Peter Holmes que diz: “quando você de fato encontra o amor, isso é tão poderoso que uma ideia absurda como a monogamia faz todo o sentido.” Quando você pensa sobre isso, não faz sentido fazer três horas por dia de academia para parecer uma estrela pornô para que você pode possa dar prazer ao novo boy magia que você deixou na cama com o seu marido.

É uma ideia comum que a sociedade têm sobre os gays: que temos uma carreira brilhante em nossas vidas profissionais, mas somos um desastre com nossa vida pessoal. Produzimos alguns dos empreendedores, designers, engenheiros, atletas, artistas e artistas mais talentosos do mundo. Existem tantos gays talentosos que são modelos, que nos representam bem e que tiveram um impacto indiscutivelmente positivo no mundo. Mas quando penso em como nos tratamos no campo do namoro, sinto que diminuímos nossas próprias conquistas. Quando penso em quanta mágoa e dor sentimos e causamos um ao outro, acho que precisamos nos concentrar mais em nosso desenvolvimento pessoal e saúde mental. Mais do que o tamanho do pau, precisamos nos preocupar com o tamanho do nosso coração. Mais do que nossos bíceps, precisamos fortalecer nossas almas.

Os últimos dois anos para mim, como solteiro, foi um período de crescimento e desenvolvimento pessoal. Se você realmente me conhece, sabe que sou romântico. Eu quero me apaixonar. Quero amar alguém mais do que os oceanos e os céus. Apesar de ter passado por várias experiências ruins, ainda assim, quando conheço alguém novo ou saio para um encontro, tento sempre manter a mente aberta. Quem sabe nos apaixonamos e acabamos passando o resto de nossas vidas juntos? Ou desfrutamos da companhia um do outro por algumas horas e só. Mas, sim, me chame de romântico, eu sigo mantendo as minhas esperanças, a gente nunca sabe…

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*Love bombing: em livre tradução, “bombardeio de amor” é uma tentativa de impactar uma pessoa através de grandes demonstrações de atenção e carinho.

*Ghosting: termo usado para quando o crush te deixa no vácuo – começa a te ignorar, evitar, ou deixa de responder mensagens. Tanto no Tinder como em outras situações. O praticante de ghosting some misteriosamente como se fosse um ‘fantasma’. Em livre tradução: “fantasmando”.

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Empreendedor pioneiro em mídias sociais de São Francisco e cofundador e CEO da hello.com, dedica-se a reunir pessoas, online e offline. Construiu uma das primeiras redes sociais, o orkut.com, que inspirou mais de 300 milhões de usuários ao redor do mundo a se unirem e fazerem conexões autênticas. Orkut é gay e militante da diversidade e da igualdade. Comentarista frequente sobre impactos positivos e negativos das redes sociais, também é um ávido programador, barman e massagista profissional. Adora dançar e é conhecido por fazer uma das melhores festas durante o Pride em São Francisco. Acompanhe o Orkut em instagram.com/orkutb e participe da nova rede social: hello.com