O dia 07 de setembro de 2019 foi uma data triste para o ator Marcello Santanna (24). Ao voltar de uma balada, às 6h da manhã, foi covardemente agredido pelo motorista do micro-ônibus após trocar “selinho” com um de seus amigos. A agressão resultou em um nariz quebrado e um hematoma sério no olho, fazendo com que Santanna tivesse que passar por uma cirurgia.
Até quando teremos que ver crimes de homofobia acontecendo no Brasil?

O que você se recorda do que aconteceu?
Estávamos voltando de uma balada da Paulista, por volta de 6h da manhã. Entramos nesse micro-ônibus eu, minha prima e um amigo nosso. Sentamos no último banco; eu no meio deles. Durante o percurso troquei selinhos com esse rapaz que estava com a gente e percebi pelo retrovisor que o motorista olhava com incômodo para nós, mas continuamos. Durante um determinado momento, o motorista parou a perua e aos gritos, pediu que nos retirássemos. Eu o questionei o porquê e informei que não desceria. Pra evitar problemas maiores, resolvi descer mesmo não sendo meu ponto, me despedi da minha prima e do rapaz e desci. Ao descer, o motorista já vinha na minha direção sem que eu pudesse perceber, levantei as mãos em sinal de paz e disse: “Tá tudo bem, cara, eu vou embora“. Mas não adiantou, ele atingiu um soco no meu nariz, covardemente, e foi embora. Após isso, minha prima e o rapaz vieram me socorrer. Fomos a um posto policial de imediato, mas por verem a gravidade do meu rosto, os policiais nos levaram para o hospital primeiro.
Foi a primeira vez que você foi vítima de homofobia?
Sim, jamais sequer tinha passado por algo assim, nem mesmo agressão verbal. Sempre vivi numa bolha que me aceitam. Foi um choque de realidade pra mim e meus familiares. Infelizmente, uma realidade que todos estamos sujeitos a passar.
O seu rosto ficou bastante machucado, ele inclusive quebrou o seu nariz né? Você teve que passar por uma cirurgia?
Sim, meu nariz ficou muito lesionado. Fiz uma cirurgia porque estava quebrado, mas ainda assim, terei que esperar pra poder acertar alguns detalhes estéticos que só essa primeira cirurgia não pode resolver. Ainda tenho um leve desvio no nariz, sendo assim, terei futuramente, que passar por outra cirurgia pra conseguir realinhar por completo.
E como foi o atendimento na delegacia?
Não pensei duas vezes de abrir uma queixa por homofobia. Meu advogado, eu e meu irmão fomos à delegacia para abrir o boletim de ocorrência. O delegado nos ouviu, mas se recusou a colocar como homofobia porque em nenhum momento o agressor usou nenhuma palavra que pudesse justificar que era homofobia. Pra ele, por não ter falado nenhuma palavra como “gay”, bicha”, veado” não podia dizer que era mesmo homofobia e assim registou apenas como lesão corporal. Fiquei extremamente chocado com essa atitude dele. Eu estava ali todo roxo, inchado, nariz quebrado e ainda assim não era motivos pra uma queixa de homofobia?! A partir daí, foi mais um choque de realidade ao perceber que nem a lei pode nos respaldar. Por isso, abri um outro processo no Ministério Público contra o Estado por negligência de tal atitude do delegado.
A empresa de ônibus (Pêssego Transportes) se posicionou em relação a agressão do funcionário?
Se posicionou de forma bem básica. Afastaram o motorista. Entraram em contato comigo apenas uma vez, e ainda por meio de uma psicóloga. Ninguém da diretoria, dos cargos altos veio falar comigo. Só mandaram terceiros que não podiam em nada me ajudar. Creio que se não fosse a repercussão que teve, eles ficariam quietos, se omitiriam nas atitudes. Até hoje aguardo uma retratação deles de forma mais sincera e coerente – e diretamente para mim. Porque eles lançaram apenas notas pra imprensa, algumas até desmentem em entrevista dizendo que eles haviam me dado suporte, coisa que nunca aconteceu.
Alguma ONG LGBT+ te ofereceu apoio/suporte na época?
Não, nenhuma. Recebi suporte de pessoas da comunidade, mas nenhuma vinculada a nenhuma ONG.

Dez meses depois como ficou o caso? O agressor foi punido? Indenização?
O caso ainda segue em aberto. Devido a pandemia, atrasou todo o processo e não sei ao certo se esse ano ainda iremos ter alguma finalização disso. O agressor nunca mais vi na linha de ônibus, não sei o que realmente aconteceu com ele. A indenização, conforme informei, ainda segue na justiça o caso, então, sem perspectivas quanto a isso.
Após esse ato covarde de agressão, mudou alguma coisa na sua rotina, como demonstrações de afeto em público?
Sim, muito receio. O choque de realidade desencadeou uma visão muito mais atenta em mim para poder me portar nos lugares. Eu precisei de um longo processo de autoconfiança para encarar a realidade; mas ainda assim, eu não sei se faria alguma demonstração tão livre assim como antes. Eu preciso antes me sentir seguro no ambiente ao meu redor para poder me soltar e ser mais eu. Eu queria muito poder usar esse episódio horrível da minha vida como forma de coragem para continuar firme sendo quem sou, independente dos outros, mas a realidade é muito mais cruel para poder bater de frente assim. Como disse, é um processo que vou vencendo diariamente, aos poucos, respeitando meu tempo.
E como avalia a nossa política atual em relação à causa LGBT?
Negligente! Se temos uma lei que nos respalda sobre homofobia e isso no dia a dia não é realmente colocado em prática, demonstra o quanto as leis são sem bases políticas nenhuma. Já conquistamos muito, confesso, mas ainda há muito o que resolver. E isso só irá acontecer com pessoas da comunidade sendo eleitas e representarem a causa, com seu direito de fala e vivência do dia a dia.
O seu caso teve repercussão até na Alemanha…
Sim, confesso que me senti dando entrevista para um jornal alemão (risos). A pauta da matéria era sobre como os índices de violência a comunidade LGBTQI haviam aumentado após a eleição do Bolsonaro. Foi um alcance que me surpreendeu, não esperava mesmo. Também recebi matérias dos EUA, Equador e Colômbia. Quando postei nas redes sociais, era pros meus amigos e familiares estarem cientes do que tinha acontecido comigo, não imaginei que teria essa proporção nacional e até internacional. Acredito que o fato de muitos se identificarem fez ter essa repercussão. Recebo várias mensagens de pessoas que passaram por homofobia e não puderam contar – ou mesmo não tiveram o apoio da família. Sinto que de alguma forma, posso ter ajudado muitas pessoas a terem coragem de denunciar.

Você acha que o Brasil está caminhando para uma redução nos casos de homofobia ou está havendo o oposto?
Não mesmo, ainda somos o país que mais mata LGBTQI. A violência ela sempre existirá, infelizmente, mas se as políticas públicas forem realmente exercidas na prática, as coisas podem melhorar. O que precisamos são de números, registros de denúncias que comprovam essa estatística para pressionar cada vez mais os políticos a fazerem algo pela comunidade. Sem registros as coisas ficam difíceis. Mas o que mais vale é uma educação social para uma sociedade machista, homofóbica e patriarcal que possa rever seus conceitos de amor e liberdade. A luta será pra sempre, mas enquanto tivermos como comunidade LGBTQI unidos e nos encorajando, poderemos mudar a realidade das próximas gerações.
É oficial: STF decidiu por 8 votos a 3 que homofobia é crime
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